Quando a Petrobrás anunciou, em fevereiro, a redução de patrocínios na Cultura, temeu-se pelo pior – 11 projetos foram diretamente afetados e havia dúvidas sobre sua continuidade. Afinal, só no ano passado, a estatal investiu R$ 135 milhões em todas as áreas culturais. Levantamento feito pelo Estado, porém, mostra que ao menos 8 projetos garantiram sua manutenção para 2019, conseguindo recursos de maneiras distintas, desde contando com o apoio direto de seus fãs (como o crowdfunding promovido pelo Anima Mundi) até apoios locais (que garantiram os festivais de cinema de Brasília e Vitória).
Por enquanto, o Cinearte, o Festival do Rio e o Prêmio da Música Brasileira buscam soluções para não encerrarem suas atividades. Acompanhe a situação de cada um:
Cinearte. A crise começou em fevereiro, quando o produtor Adhemar Oliveira recebeu da Petrobrás a notificação de que o conjunto de duas salas (de 300 e 100 lugares) no Conjunto Nacional estava perdendo o patrocínio. Há cinco meses, ele busca novos associados, mas sem resultados. A situação está se aproximando do limite do insustentável. Despesas com aluguel, pessoal. Adhemar já considera seriamente a possibilidade de fechar o espaço.
Festival do Rio. Outra situação crítica. A data do festival – outubro – aproxima-se e ainda não foi acertado patrocínio. O colegiado responsável pelo evento, e a diretora artística Ilda Santiago, buscam soluções para evitar um adiamento. “O que estamos fazendo junto a empresários e instituições é uma tentativa de sensibilização para o problema. Pois o Festival do Rio não faz apenas parte do calendário oficial da cidade – é um abraço no carioca, um incentivo à sua autoestima”, diz Ilda. “Estamos chegando no limite. O festival é muito grande. Mesmo diminuindo, providências precisam ser tomadas. Não dá para postergar. Estamos quase à espera de um milagre, mas o Rio merece, o Rio precisa. O festival não pode desaparecer assim.”
Festival de Brasília. O mais antigo do cinema no País também perdeu o apoio da Petrobrás. Segundo o secretário executivo da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Cristiano Vasconcellos, o evento poderá acontecer normalmente graças ao aporte direto do governo distrital, que investiu R$ 2,5 milhões, diretamente e por meio das empresas estatais de sua alçada. “Vamos manter o mesmo padrão porque o governo do DF está aportando os recursos”, disse o secretário, que também lamentou os cortes do governo federal. “O investimento em Cultura gera emprego e renda, então vemos esses cortes com temeridade.” A 52ª edição do evento será realizada entre 22 de novembro e 1º de dezembro (mais tarde do que ocorria nos últimos anos, geralmente em setembro).
Festival de Cinema de Vitória. No Espírito Santo, vai cortar algumas de suas atrações para se adequar aos cortes no patrocínio. O Festivalzinho de Cinema, que atendia até 3,5 mil crianças, deve ser reduzido. A itinerância em cidades do interior também poderá deixar de acontecer, segundo a produção do evento. A 26ª edição terá o patrocínio do Ministério da Cidadania, através da Lei de Incentivo à Cultura, da ArcelorMittal, do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e da Ancine, com o apoio da Prefeitura Municipal de Vitória. “Não cobramos ingressos nas exibições, sendo assim uma oportunidade única para muitas pessoas terem contato com o cinema”, explica a diretora, Lucia Caus. Mais de 100 filmes foram selecionados para o festival, que ocorre de 24 a 29 de setembro.
Mostra de Cinema de SP. A diretora Renata de Almeida garante a 43ª edição do cultuado festival para o período em 17 e 30 de outubro – em formato mais enxuto, com menos convidados e talvez menos filmes. Renata ainda acerta novas parcerias e já garantiu com Itaú, Sabesp, CPFL e Spcine – o patrocínio da Petrobrás correspondia a aproximadamente 25% do orçamento. Mas ela continua o trabalho de garimpo, participando dos principais festivais internacionais.
Sessão Vitrine. Nesta semana, o projeto de formação de público anunciou sua permanência depois de assinar parceria com plataformas digitais, o que vai garantir a exibição de filmes nacionais tanto nas salas de cinema como por streaming. “Trabalhamos com o conceito de múltiplas telas”, afirma Talita Arruda, coordenadora do projeto.
Anima Mundi. O mais tradicional festival de animação do Brasil garantiu sua sobrevivência por meio do apoio de fãs: em uma vaquinha realizada na internet, os organizadores conseguiram arrecadar os R$ 400 mil necessários para garantir a 27ª edição, que será de 17 a 21 de julho no Rio, e de 24 a 28 de julho, em São Paulo. Serão 303 filmes de mais de 40 países.
Teatro Poeira. Espaço teatral criado em 2005 pelas atrizes Andrea Beltrão e Marieta Severo, o Poeira, no Rio, figurou na lista de cortes de patrocínio. A estatal mantinha um projeto desde 2007 e os recursos apoiavam um programa de formação de artistas, com intercâmbios, oficinas e cursos gratuitos. Por lá passaram nomes como o diretor italiano Eugenio Barba, o cenógrafo Hélio Eichbauer, o diretor Hamilton Vaz Pereira e a diretora Christiane Jatahy. Em abril, o Poeira emitiu uma nota afirmando que o espaço não será fechado e que outras parcerias estão no radar. A programação das duas salas, Poeira e Poeirinha, não se beneficiava do patrocínio e, portanto, não foi interrompida. Atualmente, estão em cartaz Todas as Coisas Maravilhosas, com o ator Kiko Mascarenhas, Meninas e Meninos, com a atriz Maria Eduarda de Carvalho, Quem Tem Medo de Travesti, de Silvero Pereira, e Antígona, solo de Andrea Beltrão.
Prêmio da Música Brasileira. O prêmio idealizado por José Maurício Machline, que existe há 30 anos, se firmou como uma das mais importantes festas da MPB. O patrocínio da Petrobrás, com cerca de R$ 12 milhões por edição anual, garantia a premiação e os shows especiais realizados no Teatro Municipal do Rio. Procurado pelo Estado, o diretor Machline se disse cansado, mas preferiu não se pronunciar sobre o futuro. “Eu não gostaria de dizer nada nesse momento.”
Casa do Choro. O espaço foi fundado em 2015 no Rio com patrocínio da Petrobrás de R$ 950 mil para cada 18 meses. O dinheiro era usado para as despesas e o cachê das apresentações. A casa conserva também 18 mil partituras catalogadas e abertas para consulta pública. Sem a verba, o clube segue “no amor”, sem verba da Prefeitura nem outra qualquer, reduzindo ou cortando cachês. Membros da produção e direção não ganham nada. “Temos uma equipe muito comprometida, todos são músicos”, diz Luciana Rabello, cavaquinhista, compositora e presidente da Casa. Ele conta que o pior foi a forma abrupta com que o corte foi feito. “De uma hora para outra, não tivemos como nos planejar para isso. Eu entendo que há momentos de revisão, mudanças são saudáveis, mas é preciso sanear com responsabilidade para não destruir aquilo que está caminhando.”
Clube do Choro. Um dos espaços mais tradicionais do País, o lugar de Brasília que revelou músicos como Hamilton de Holanda também perdeu a verba da Petrobrás e deve seguir sua programação sem um novo patrocinador.
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