RIO - Das cerca de 450 mil pessoas que vão anualmente ao Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói (cidade na Região Metropolitana do Rio), apenas um terço entra e aprecia suas obras – as demais aproveitam a praça sob o prédio e a bela vista da Ilha da Boa Viagem, da Praia de Icaraí, da Baía de Guanabara e das montanhas do Rio, como o Pão de Açúcar, para espairecer e tirar fotos. A arquitetura de Oscar Niemeyer (1907-2012) é o grande chamariz, e a coleção de João Sattamini, um dos principais conjuntos de arte contemporânea do País, acaba em segundo plano. Reformado e reaberto este mês, após ano e meio fechado, o MAC não tem como meta ampliar a visitação – quer qualificar seu público.
“O fato de as pessoas não entrarem aqui não é um problema. O conteúdo do museu não é de rápida assimilação, não há um prazer estético imediato, como se tem com a contemplação da paisagem. O desafio da instituição é ser um laboratório de encontros entre arte e sociedade. A arquitetura ofusca o acervo para essa maioria, que não sabe o valor da coleção. Mas seria bom recuperar o patamar de 15 a 20 mil visitantes por mês (180 mil-240 mil por ano; hoje, o cálculo é de 12,5 mil pessoas mensalmente)”, disse o curador e diretor, Luiz Guilherme Vergara.
O novo MAC está mais convidativo, confortável e seguro para o acervo. Na chegada, o antigo gradil cinza foi substituído por placas de vidro transparente, o que torna a ambientação mais agradável. O espelho d’água sob o “disco voador” de Niemeyer ganhou iluminação de 109 luminárias de led, como previa o projeto do designer alemão Peter Gasper (1940-2014). O pátio tem nova pintura, assim com a rampa vermelha que leva ao museu, agora com piso antiderrapante. A fachada também foi pintada.
Na entrada, foi finalmente criado um balcão próprio de venda de ingressos e distribuição de material informativo sobre o museu e a região. Nos espaços expositivos foi instalado um carpete elegante, além de sinalização em português, inglês e espanhol. Uma lojinha foi montada. Há novos banheiros. A cobertura do teto está impermeabilizada.
A renovação custou R$ 6 milhões à prefeitura de Niterói. A quantia equivale a quase um quinto do orçamento cultural do município, de 500 mil habitantes e a 14 km do Rio. O governo federal contribuiu com R$ 1 milhão. As obras começaram no primeiro semestre de 2015 e terminaram a tempo para o aniversário de 20 anos do museu, em setembro.
O principal problema das instalações era a falta de ar condicionado, superado agora. João Sattamini, que ameaçava suspender o empréstimo do acervo – trabalhos de Waltercio Caldas, Lygia Pape, Cildo Meireles, Iberê Camargo, Jorge Guinle e Ivan Serpa, entre 1.250 obras – por medo de expô-lo às más condições do museu e de sua reserva técnica, diz estar satisfeito.
“Eu vinha reclamando porque a prefeitura não estava conservando o museu, que é um bem público e que fica à beira-mar, sofrendo um processo de oxidação contínuo. Estava preocupado com a integridade das obras. Renovei o contrato por mais cinco anos e estou contente”, afirmou o colecionador, que não considera a visitação baixa. O Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio, já bateu recordes de mais de 60 mil visitantes por mês quando montou mostras de grande apelo popular, como a do escultor australiano Ron Mueck, em 2014.
“A frequência é boa. De todos os visitantes do Louvre, 10% vão por motivos artísticos. Os demais querem ver a Mona Lisa e tirar foto.” O conjunto de Sattamini é considerado par, em termos de relevância, ao de Gilberto Chateaubriand, desde 1993 no MAM (6.500 obras de arte brasileira moderna e contemporânea).
A principal exposição da reabertura traz um recorte interessante da coleção. Ephemera: Diálogos Entre-Vistas propõe conversa entre obras de nomes fundadores da arte contemporânea nacional, como Lygia Clark, Antonio Dias, Nelson Leirner, Anna Bella Geiger e Rubens Gerchman, e os artistas convidados Ricardo Bausbam, Daniel Leão e Daniela Mattos.
Ao centro do salão do primeiro andar, Cicloheratprototempletuntun, instalação interativa de Ernesto Neto de 2010, recoberta por espuma vermelha, concentra os olhares num primeiro momento. Na varanda, disputando a atenção dos visitantes com a vista, estão obras escolhidas pela curadora norueguesa Selene Wendt para a mostra A Arte de Contar Histórias, inspiradas na literatura latino-americana. “O MAC agora está com o padrão de um museu internacional”, afirmou André Diniz, presidente da Fundação de Arte de Niterói, da prefeitura. Ele agora busca recursos para a construção de nova reserva técnica.
O museu nasceu de um acordo, no início dos anos 1990, entre Sattamini, Niemeyer e o então prefeito Jorge Roberto Silveira. O primeiro emprestou as obras. O segundo fez de graça o projeto, desenhado numa mesa de restaurante durante refeição com o terceiro. O governo municipal construiu o museu.
O arquiteto criou sua “galeria aberta para o mar”, erguida sobre “uma linha que nasce do chão e sem interrupção cresce e se desdobra, sensual” (palavras suas sobre o projeto, que lhe era caro) sem temer que a paisagem rivalizasse com o conteúdo exposto. “É um museu redondo, diferente de qualquer outro lugar no Brasil. A arquitetura traz a visibilidade; nosso desafio é a construção de afetos e sentidos constante”, disse Vergara.
Niterói passou a ser a cidade, fora Brasília, a concentrar o maior número de obras do arquiteto. Desde o MAC, Niemeyer projetou edificações que, construídas, se tornaram ambém marcos da cidade, como o Teatro Popular e a estação de catamarãs entre a cidade e a Praça XV, no Rio.
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