'Mito/Forma' coloca lado a lado peças ancestrais e obras de artistas como Volpi e Rubem Valentim

Arte africana tribal dialoga com a produção moderna e contemporânea

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho

É histórica a “revelação” que Picasso teve, em 1907, numa mostra etnográfica do Palácio do Trocadéro, que o levou a pintar o iconográfico Les Demoiselles d’Avignon. A influência da arte africana nessa tela, originalmente chamada de Bordel Filosófico, é notável, em especial nas duas figuras da direita, mulheres protocubistas com máscaras tribais no lugar do rosto. Ela persistiria nos anos seguintes, como provam as duas gravuras de Picasso que integram a exposição Mito/Forma, que a Dan Galeria abre nesta terça (22) com obras do modernismo e do concretismo brasileiro. Elas dialogam com peças artesanais de tribos africanas de diferentes origens. Picasso, claro, entra como exemplo primeiro dessa interlocução.

A exposição, que tem como curadores um artista, Macaparana, e um colecionador, o francês Christian Heymés, traz peças contemporâneas, como uma tela do concreto Sacilotto ao lado de uma máscara Kanaga, objeto da tribo dogon, que habita a região entre o Mali e Burkina Faso. Uma colorida tanga da tribo kirdi, de Camarões, é exposta ao lado de pinturas de Volpi. Uma peça de tecido (veludo de ráfia) da tribo kuba revela a relação com as delicadas obras da série Bordados, da artista Mira Schendel. A mais evidente associação fica por conta do estreito diálogo entre um emblema/relevo do pintor Rubem Valentim com uma figura totêmica de Xangô da tribo ioruba, da Nigéria. O próprio Macaparana comparece com um peça vertical de madeira ao lado de uma escultura da tribo dogon que representa um casal.

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A expansão colonialista da França há um século fez com que várias peças rituais africanas fossem parar em Paris, espalhando pelo mundo a mania de colecionar esses artefatos. Elas formaram, de algum modo, a vanguarda europeia do começo do século 20 e, consequentemente, a visão moderna não só de Picasso como de Matisse, Gauguin e dos expressionistas alemães (Kirchner, em particular).

No Brasil, entre os grandes colecionadores de arte africana, destacam-se dois grandes nomes do movimento neoconcreto, Hércules Barsotti e Willys de Castro, ambos presentes na mostra, revelando uma insuspeitada relação com as formas geométricas dos africanos. De modo geral, os colecionadores, originalmente, não consideravam o conteúdo mítico das peças, apenas seu valor estético. Isso se aplica igualmente a alguns artistas, mas não a dois nomes da mostra, como o citado Valentim e Mira Schendel, que, além dos “bordados”, está representada por uma composição com letras exibida ao lado de uma tábua usada para ensino do Alcorão pelos tuaregues do Mali.

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“Há um parentesco entre os padrões adotados por esses povos africanos e nossos artistas modernos e concretos, ainda que essa associação não seja consciente”, observa o curador Macaparana. “A repetição desses padrões, em ambos os casos, busca o aprimoramento da forma, o que se pode perceber comparando as tangas da tribo kirdi com as pinturas de Volpi”, conclui o artista.MITO/FORMA Dan Galeria. Rua Estados Unidos, 1.638, tel. 3083-4600. 2ª a 6ª, 10h/19h. Sáb., 10h/13h. Abertura terça (22), 17h/22h. Até 14/12. 

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