Não basta ser artista, você precisa ser conhecido, representado, divulgado e exposto. No mundo das artes plásticas, a situação é ainda mais difícil. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, não existe muito mais do que 100 galerias com exposições permanentes – o que já restringe em muito a possibilidade de qualquer iniciante (ou não tão iniciante) ser parte deste mercado. Pensando nos obstáculos que envolvem o encontro entre artistas e público, o portal Mapa das Artes (www.mapadasartes.com.br) tem promovido o Salão dos Artistas sem Galeria. Como o próprio nome já entrega, as exposições contemplam aqueles artistas que estão fora do circuito tradicional das principais galerias.
Em sua 13.ª edição, o salão acontecerá em duas galerias. Desde a quinta, 13, na Lona Galeria, na Barra Funda, e, a partir do sábado, 15, na Zipper Galeria, no Jardim América. Nos dois casos, as exposições se encerram no dia 19 de fevereiro. Entre 405 artistas inscritos, apenas dez foram selecionados (e terão obras expostas nas duas galerias). O projeto é financiado pelos próprios artistas que se inscrevem, em um modelo que lembra muito uma cooperativa. Cada inscrição custou R$ 150. Assim, mesmo os não selecionados contribuem para a realização do salão. O júri de seleção foi formado por André Niemeyer (curador independente), Julie Dumont (curadora independente e gestora do projeto The Bridge Project), Paulo Gallina (curador independente) e Washington Neves (jornalista).Para esta edição, os artistas selecionados foram: Bruno Gularte Barreto (RS; @brunogbarreto), Cláudia Lyrio (RJ; @claudialyrio_artist), Cynthia Loeb (SP; www.cynthia loeb.com), Diogo Santos (RJ; @diogosantosbessa), Igor Nunes (RJ; @igornunesart), Kika Diniz (RJ; @kikardiniz), Liz Lopes (RJ; @lizlopes2948), Luiza Kons (PR; @luizakons), Paulo Jorge Gonçalves (RJ; @goncalvespaulojorge) e Ronaldo Marques (SP; @ronaldomdo). “Existe um funil nas artes. São muito mais artistas do que galerias. Poucos são representados, poucos estão em catálogos. O Salão dos Artistas Sem Galeria é um projeto para atender esses artistas. O nome já expõe essa situação, porque, neste universo, ser um artista sem galeria é uma situação que pode ser constrangedora para alguns artistas. A exposição é uma forma de tentar corrigir, minimamente, essa distorção do mercado e até algumas injustiças”, disse o criador e organizador do salão, Celso Fioravante. Fioravante avalia que nesta edição os inscritos e selecionados “apontam para uma preponderância da pintura, em detrimento de outras mídias”. “Teve mais pintura, talvez pelo fato do confinamento imposto pela pandemia da covid”, disse. “Além disso, existe um discurso mais politizado, principalmente em relação às questões feministas, raciais e de gênero. Também percebi um olhar sobre as mídias sociais e um discurso intimista, voltado para o cotidiano”, completou.
Um dos artistas selecionados é Diogo Santos, 39 anos. Ele trabalha com pinturas e esculturas. “No meu trabalho, tento perceber o tempo presente e a construção da imagem. Minhas obras nascem de uma longa pesquisa sobre o conteúdo simbólico, que pode envolver videogames, quadrinhos, fotos antigas, embalagens de brinquedo e imagens históricas”, contou Santos. O artista diz que percebe um “processo de mudança na relação do público com as galerias”. “Existe um cuidado com os artistas jovens. Vejo esse movimento com esperança. Há uma vasta produção que pode ser melhor divulgada. Vivemos um momento de abertura de algo plural e rico”, apontou. Já a fotógrafa Luiza Kons, 28 anos, deixou o jornalismo diário para se aprofundar em personagens. “Tinha uma angústia com o jornalismo. Eu me importava mais com a estética da imagem do que com a informação”, confessou Luiza. Para a exposição, Luiza apresenta ensaios com a própria família. Com o isolamento da pandemia, ela começou a se fotografar dentro de casa. Depois, com o fim de um relacionamento, voltou a morar com a mãe. “Eu sempre me interessei no vínculo que existe entre fotógrafo e fotografados. Por isso, aproveitei essa temporada na casa dos meus pais para me aprofundar nessa narrativa dos vínculos e fiz uma série retratando meus pais”, explicou. Outro participante do salão, o artista Paulo Jorge Gonçalves, 52 anos, diz “estar na luta pela arte” desde o final dos anos 1990. “Posso estar enganado, mas o mercado gosta de gente mais jovem, um pessoal que ele (o mercado) pega, mastiga e descarta. Mas, como sempre, existe muita coisa boa que não está aparecendo”, comentou. Professor de arte e funcionário público, Gonçalves tem um trabalho de pintura e bordado com foco na identidade e luta homoerótica. “Achei minha voz como artista ao falar do meu mundo”, disse. Para ele, o Salão é uma possibilidade de levar o seu trabalho e olhar para mais pessoas. “O salão é parte de um movimento sério, de mais abertura e espaço para artistas que ainda não quebraram a barreira das galerias”, comentou.
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