Simone de Beauvoir era altiva e se acreditava superior a quase todo mundo. Não a Sartre, claro, o qual venerava provavelmente muito além dos merecimentos dele. Quando os dois prestaram o exame final de filosofia, ela com 21 anos, ele com 24, Sartre tirou o primeiro lugar e Simone o segundo, mas os membros da banca estavam convencidos de que ''a verdadeira filósofa era ela''. Sartre sempre foi muito mais criativo e Simone, mais rigorosa. Provavelmente, ela deveria ter-se dedicado mais ao ensaio que à narrativa (seus romances são muito frouxos), mas, numa de suas poucas fraquezas tradicionalmente femininas, sempre considerou que a grandeza do pensamento correspondia a Sartre, reservando para si mesma um lugar subsidiário (...) Em sua entrega, em sua aceitação do papel substancial do homem eleito (o homem como o sol, a mulher, um planeta), Simone cumpriu sua herança cultural, as antigas normas do seu sexo. Frida Kahlo pintava quadros muito pequenos (enquanto seu marido, Diego Rivera, fazia murais enormes) e sempre se mostrou extremamente humilde em relação ao seu trabalho. Durante muitos anos não mostrou suas obras, e só se tornou uma pintora conhecida graças ao empurrão de Rivera, que praticamente a obrigou a expor em Nova York em 1938. Por essa época ela conheceu André Breton, o principal teórico do surrealismo, que ficou fascinado por aquela pintora que era surrealista "sem saber". Em 1930 expôs em Paris e foi considerada mais ou menos incluída nesse movimento estético. Anos mais tarde, sobre a febre stalinista, Frida repudiaria o surrealismo por ser este "uma decadente manifestação da arte burguesa". Mas para chegarmos a isso, ao fanatismo final pró-soviético, devemos contar a parte mais amarga, mais terrível desta história. O corpo de Frida foi-se desfazendo: o pé ulcerava, a coluna entortava, ela ansiava ter filhos e não podia. Agatha Christie passou a vida ocultando as coisas, dissimulando defeitos, alterando virtudes, construindo de sim mesma uma comovedora personagem imaginária. De fato, ela foi uma grande farsante, uma sutilíssima impostora. Fingia, por exemplo, um aspecto de completo e sereno domínio sobre a existência, e até de frieza e desapego, quando na verdade era uma mulher cheia de fogo e de terrores. Aparentava não dar nenhuma importância às sua literatura e considerá-la um divertimento modestíssimo, mas era uma escritora de vocação intensa que depois defendia ferozmente suas obras. Falsificava seu sorriso sem dentes e, a partir dos 63 anos, tentou evitar que a fotografassem: inquietava-se ao ver-se como era, sua imagem mutável e progressivamente envelhecida, e não a pulcra e estática imagem de grande dama que ela cultivava em seus retratos publicitários. E todo mundo a considerava uma senhora muito decente e prestativa.
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