EFE - Uma casa modesta em uma favela brasileira aspira a ser escolhida a melhor casa do mundo em um renomado concurso internacional de arquitetura e também busca demonstrar que é possível ter condições de moradia de qualidade em um bairro pobre.
O barraco, como são popularmente chamadas as casas das comunidades mais pobres do país, foi indicado pelo Archdaily, principal portal de arquitetura do mundo, para o concurso (Building of the Year 2023), no qual concorre com mansões esplêndidas e caras - veja no site archdaily.com. A votação da primeira etapa termina nesta quarta, 15. Depois disso, cinco projetos por categoria passarão para a fase de finalistas (veja os selecionados, incluindo a casa brasileira), começando em 15 de fevereiro e terminando em 23 de fevereiro.
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Sem frescuras e praticamente se misturando com o entorno, a “casa do pomar do cafezal” fica em uma estrada de terra, em uma viela íngreme no Aglomerado da Serra, nos arredores de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais.
A casa foi construída com os mesmos materiais com que foram construídas as casas deste gigantesco complexo de favelas, que em meio a suas ruas estreitas abriga cerca de 100 mil habitantes.
A fachada de tijolo e cimento não é pintada, as tubulações de água são externas, assim como as ligações elétricas, e suas janelas são de ferro, como as das casas vizinhas.
É uma casa que pode ter um custo muito parecido com as demais da favela, mas a diferença está na forma como os elementos foram utilizados, com especificações de projeto e técnicas construtivas que permitiram a criação de um espaço eficiente e com qualidade ambiental.
O projeto foi dirigido e assinado pelos arquitetos Fernando Maculan e Joana Magalhães, integrantes do Levante, coletivo de voluntariado em favelas e que reúne diversos profissionais como engenheiros, eletricistas, paisagistas e designers, além de estudantes.
Essa iniciativa compartilha o conhecimento e a experiência adquiridos com as pessoas das comunidades, cujos aprendizados têm sido essenciais para os responsáveis pelo projeto. “Temos que aprender com eles, ouvi-los muito para construir as perspectivas que eles têm”, disse Maculan à EFE.
As fotos da casa que estavam na conta do arquiteto em uma rede social foram vistas pela equipe do Archdaily, que primeiro publicou o projeto em seu portal e depois o selecionou para o concurso.
Agora, a casa simples convive com mansões luxuosas e modernas que também disputam o título de melhor do mundo e espera continuar somando votos no portal até o dia 15 de fevereiro, quando termina o prazo.
Estrutura
A casa, que tem uma área de 66 metros quadrados e dois níveis, fica sobre uma forte estrutura cujas fundações também ajudam a sustentar outras casas.
Suas paredes foram construídas com tijolo vazado usado na horizontal, uma mudança sutil que virou a fachada de cabeça para baixo e trouxe benefícios adicionais.
“Por serem horizontais, dão forma a uma parede mais larga e com maior inércia térmica, o que se traduz em um ambiente que vai demorar mais a aquecer quando há temperaturas elevadas e a preservar um pouco mais o clima interno quando está frio,” explicou o arquiteto.
Algo semelhante é visto com o desenho de janelas e portas que, além de permitir a entrada de luz natural e dar mais luminosidade ao ambiente, geram ventilação cruzada que resfria o ambiente. Já as tubulações externas de água ajudam a evitar vazamentos.
Dificuldades
Tirar o projeto do papel, no entanto, envolveu algumas dificuldades.
A casa, que poderia ter sido concluída em seis meses, levou dois anos - começou em 2018 e terminou em 2020 - e teve um custo final de R$ 150 mil, valor superior ao esperado pela necessidade de reparar algumas obras danificadas pelas chuvas.
Kdu dos Anjos, líder comunitário da favela e proprietário, é o maior vencedor com este projeto.
Nascido e criado naquela comunidade, junto com Maculan promoveu a formação do coletivo Levante que tornou seu sonho em realidade.
Com dois cachorros, um gato e 60 plantas, o artista não só se sente abençoado por sua casa e pelo que ela representa, como também agradece pelo projeto ajudar a mostrar uma outra face de sua favela.
“Geralmente querem falar de violência, de tiroteios, de morte e agora falamos exatamente do contrário, da vida, da esperança, da criatividade e do empreendedorismo”, disse à EFE.
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