Há 70 anos, quando a Semana de Arte Moderna de 1922 chegava aos 30, perguntaram a Manuel Bandeira se havia motivos para comemorar. Francamente, não, respondeu o poeta. E recomendou que se esperasse o centenário. Se alguém ainda lembrasse dela, aí sim valeria a pena celebrar os 100 anos de nossa independência literária e artística. A exposição Brasilidade -Pós Modernismo, aberta dois meses antes dessa comemoração, que será em fevereiro de 2022, é uma prova da vitalidade do movimento modernista e como ele deixou marcas profundas – para o bem e para o mal – na cultura brasileira. Com curadoria de Tereza de Arruda, a exposição, que recebeu 25 mil visitantes no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, foi aberta no dia 15, na sede do CBBB de São Paulo, onde fica em cartaz até março do próximo ano.
Brasilidade Pós-Modernismo traz 130 obras de 51 artistas, todos herdeiros, de certa forma, do legado da Semana, como defende a curadora Tereza de Arruda. “Há três anos, quando comecei a organizar a mostra, pensava se as propostas modernistas de um século atrás ainda continuavam em pauta, concluindo que o modernismo influenciou, de fato, questões que ainda hoje são discutidas, como identidade e cultura popular”, diz a curadora.
As obras presentes na mostra do CCBB foram todas produzidas dos anos 1960 em diante por artistas como Adriana Varejão, Anna Bella Geiger, Arnaldo Antunes, Beatriz Milhazes, Cildo Meireles, Ernesto Neto, Ge Viana, Jaider Esbell, Rosana Paulino e Tunga. Algumas saíram diretamente dos ateliês e nunca foram expostas. Organizada em seis núcleos temáticos – Liberdade; Futuro; Identidade; Natureza; Estética e Poesia –, a mostra reúne pinturas, fotografias, desenhos, esculturas, instalações e novas mídias.
O projeto da exposição, segundo a curadora Tereza de Arruda, teve como princípio reunir obras que traduzissem a diversidade de um Brasil miscigenado, cruzando o regional e o cosmopolita, o popular e o erudito. Desse modo, há na mostra tanto artistas de etnia indígena – o consagrado Jaider Esbell, morto em novembro, aos 42 anos – como descendentes de africanos – a veterana Rosana Paulino, de 54 anos, educadora e doutora em artes visuais, cuja obra tem como foco o racismo e a posição da mulher negra na sociedade brasileira, também uma preocupação da modernista de primeira hora Tarsila do Amaral.
Em 1922, os modernistas já tentavam romper com os padrões eurocêntricos que dominavam o cenário cultural brasileiro. Os contemporâneos que integram o núcleo Liberdade – a própria Rosana, Farnese de Andrade e Tunga, entre outros – respondem por essa revisão, apesar de a exposição não ter esse cunho histórico, como teve a mostra Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como Motivação, que terminou dia 12 de dezembro, no MAM. As curadoras dessa mostra, Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros, reuniram trabalhos realizados por artistas que precederam o modernismo ou o sucederam.
“A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um evento relativamente fechado”, afirma Tereza de Arruda, classificando-a como uma manifestação elitista. “O Brasil estava dividido entre uma região de economia promissora, berço da Semana de 22, e o sertão, desconhecido e desprezado”, resume. “Cem anos após a Semana de 22 e do bicentenário da Independência do Brasil, este é o momento de rever tudo o que nos foi ensinado”. Inclusive o mito de um país de vocação moderna e construtiva. “Veja, em 1922, enquanto a Semana estava sendo realizada no Brasil, na Alemanha, a Bauhaus, símbolo da modernidade, já não era o parâmetro dos modernistas brasileiros, que buscavam um caminho fora do eurocentrismo, como a Índia, um caso muito parecido”.
Exemplo dessa “desilusão” modernista é uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012). O criador de Brasília, ícone da modernidade no país, pinta a capital travestida de ruína, como um daqueles edifícios do documentário Arquitetura da Destruição (1989), do sueco Peter Cohen, em que o cineasta afirma que os arquitetos do Terceiro Reich projetavam prédios pensados como belas ruínas no futuro, seguindo o exemplo grego. Vale lembrar que Niemeyer estava exilado em Paris por causa da ditadura militar quando executou a obra. O movimento modernista também lutou pela independência linguística e essa autonomia está no núcleo dedicado à poesia concreta, no qual se destaca a obra do poeta Augusto de Campos, um de seus mentores, que completou 90 anos em fevereiro.
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