O fio condutor da saga dos Buendía, protagonistas de Cem Anos de Solidão, é, de certa forma, o progresso de um século – no caso de Macondo, enriquecido pelas idas e vindas de ciganos, militares e estrangeiros portadores de uma tecnologia às vezes disfarçada de irrealidade e fantasia. E foram precisamente as páginas de Cem Anos de Solidão que inspiraram uma exposição da Universidade Politécnica de Madri (UMP) que interpreta, da perspectiva da engenharia e da técnica, a obra-prima de Gabriel García Márquez.
A exposição Engenharia, Prodígios e Natureza em Macondo comemora o 50º aniversário do romance com uma montagem singular: ilustra diversos fragmentos do texto por meio da biblioteca da UPM, estabelecendo um paralelo entre os avanços técnicos narrados por García Márquez e o fundo bibliográfico dessa universidade madrilenha. A diretora da biblioteca da universidade, María Boyer, disse à EFE que a obra do Nobel colombiano “reúne um desenvolvimento técnico muito importante” e representou para a UPM uma oportunidade de mostrar que é possível “unir formação humanística e técnica”. Embora o acervo bibliográfico da UPM, apesar de imenso, seja muito especializado, María Boyer conseguiu organizar “um complicado trabalho de encaixe” e ligar 14 passagens de Cem Anos de Solidão a livros procedentes de todas as faculdades que integram a universidade. A exposição começa com as primeiras linhas do romance, quando “muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento”, o coronel Aureliano Buendía evoca uma Macondo “de casas de pau a pique, à beira de um rio”. Ao lado desse trecho está um livro de gravuras de 1875, cedido pela Escola Técnica Superior de Construção, que mostra, justamente uma aldeia de choupanas da América do Sul rural. Um atlas da Colômbia acompanha o episódio em que José Antonio Buendía, patriarca da família, parte exilado e sem rumo em busca de um lugar para fundar uma nova aldeia. Nesse mesmo capítulo 1º, García Márquez conta como os primeiros moradores de Macondo encontram num manguezal um galeão espanhol “cercado de samambaias e palmeiras, branco e empoeirado na silenciosa luz da manhã”. A ilustração vem de um livro da Escola de Engenheiros Navais. A máquina de memória que José Arcadio Buendía imagina “para lembrar-se dos maravilhosos inventos dos ciganos”, pensada “como um dicionário giratório”, serve para introduzir um exemplar dedicado a computadores e informática. Um tomo de arquitetura colombiana traz uma ilustração perfeita da casa típica de fazenda que Úrsula, mulher do patriarca, manda construir quando seus filhos “estavam a ponto de casar-se”. O livro O Ouro sob seus Pés, da Escola de Mineração, alude aos peixinhos de ouro que o coronel Aureliano Buendía esculpia na velhice, enquanto vários tratados de botânica e agricultura, um deles de 1768, mostram as frutas tropicais cultivadas em Macondo. E, claro, os livros da UPM ilustram, com belas gravuras, as grandes invenções que chegam ao povo através dos anos: o telégrafo, a ferrovia, o automóvel e, finalmente, o avião, que permite a criação do serviço de correio aéreo de Macondo. A exposição aborda assim uma visão diferente da trágica epopeia dos Buendía, interpretando Cem Anos de Solidão como a crônica de uma luta interminável entre a tecnologia e a natureza, a modernidade e a tradição. /TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
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