Um complexo cultural com arquitetura do francês Rudy Ricciotti vai ocupar as ruínas do antigo Hospital Matarazzo a partir de setembro de 2021. Batizado de Casa Bradesco da Criatividade, o projeto terá como evento inaugural uma exposição do artista de origem indiana Anish Kapoor no histórico prédio da futura Cidade Matarazzo, espaço de uso múltiplo para frequentadores de todas as idades, inclusive crianças, para as quais foi concebido um laboratório de criatividade dentro da Casa.
Conhecido como Hospital Matarazzo, o complexo é, na verdade, formado por um conjunto de três edifícios históricos: o Hospital Umberto I (1904), a Capela Santa Luzia (1922) e a Maternidade Condessa Filomena Matarazzo (1943), onde vai funcionar uma parte do Hotel Rosewood (a outra vai ocupar a Torre Mata Atlântica, projetada pelo arquiteto francês Jean Nouvel, ganhador do prêmio Pritzker, e pelo designer Philippe Starck). Os dois últimos prédios já foram restaurados, o primeiro seguindo a escola italiana de restauro e o último, a francesa. Já a área destinada ao complexo cultural vai funcionar num dos prédios do Hospital Umberto I e não seguirá nenhuma das duas escolas.
Conforme anunciou o empresário Alexandre Allard, idealizador da Cidade Matarazzo, a restauração da Casa Bradesco da Criatividade vai mesmo seguir a escola “brasileira”, deixando à mostra os traços da história do prédio (inclusive seus defeitos). As três edificações da Cidade Matarazzo são tombadas pelo Patrimônio Histórico e suas respectivas fachadas serão integralmente preservadas, garante Allard, que já investiu algo em torno de R$ 4 bilhões no projeto da Cidade desde que adquiriu o terreno de 30 mil metros quadrados em 2011 – numa localização privilegiada formada pelo quadrilátero Alameda Rio Claro e ruas São Carlos do Pinhal, Itapeva e Pamplona, a uma quadra da Avenida Paulista.
O curador da Casa Bradesco da Criatividade, Marcello Dantas, explicando as diferenças entre os três projetos de restauração adotados na Cidade Matarazzo, classifica o do espaço cultural como um produto híbrido, “bruto”, que vai preservar a arquitetura original aliada ao que de mais sofisticado a tecnologia pode oferecer – por ser multidisciplinar, reservando espaços para artes visuais, dança, design e gastronomia, ele será adaptável às características de cada evento.
“Aqui vai ficar a marca da história original do hospital”, diz Alexandre Allard, animado com a renovação do prédio em que será instalada a Casa Bradesco da Criatividade, uma edificação em estilo florentino renascentista cuja parede frontal tem nada menos que 37 metros de largura. A inspiração da sala de exposições, revela Allard, veio do Arsenale de Veneza, um antigo depósito de material bélico hoje utilizado pela Bienal italiana para abrigar parte de sua mostra internacional.
Uma das maiores salas de exposições da cidade, ela terá algo em torno de 2 mil metros quadrados. Vai se chamar Bradesco Aqui, acentuando o objetivo da curadoria, que é o de incentivar a arte brasileira com o espaço laboratorial multidisciplinar em diálogo com expressões artísticas provenientes do exterior. “Criatividade é o artigo mais valioso – e isso o Brasil tem de sobra”, observa Allard, atribuindo à miscigenação do povo a diversidade de nossa cultura. “A gastronomia brasileira é a maior prova disso”, justifica, anunciando que a Bradesco Sala 22, um espaço assim chamado em referência direta à Semana de Arte Moderna de 22, vai ter tanto concertos como aulas de culinária, passando por shows de música e dança.
Esse espaço, completa Allard, será o mais democrático possível, reservando poltronas a preços diferenciados de acordo com o evento apresentado, que pode ser uma aula de filosofia, uma conferência ou um espetáculo multimídia. A Sala 22 vai ter 540 lugares e uma capacidade de lotação (em pé) de 1.500 pessoas. Além dela será mantido em constante atividade o Clube Bradesco de Criatividade, uma área 300 metros quadrados para a discussão de novas ideias, sustentabilidade e reciclagem.
Allard acredita que essa consciência é formada na infância. Reservou, portanto, uma outra área de 253 metros para as crianças, o Creative Kids Lab Bradesco. Lá será usada alta tecnologia para que os pequenos virem “agentes transformadores da sociedade”. “A ideia é que elas deixem de lado os videogames e compartilhem esse espaço com outras crianças numa área onde existem mais de 10 mil árvores e para a qual queremos atrair 650 diferentes espécies de borboletas”, diz, citando a drástica redução desse número em outros bairros da cidade (o Morumbi tem 400 espécies de borboletas contra 60 no Itaim, segundo o empresário). Para esse ‘laboratório’ de criatividade infantil foram projetados oito programas, que incluem de preservação ecológica ao ensino de artesanato de várias regiões.
A exemplo da exposição de arte contemporânea organizada na Cidade Matarazzo em 2014, Invasão Criativa, que reuniu mais de uma centena de artistas e foi visitada por 120 mil pessoas, o curador Marcello Dantas espera que a Casa Bradesco de Criatividade possa fomentar a produção artística brasileira, “estabelecendo um novo modelo de gestão que promova o diálogo com artistas estrangeiros e quebre fronteiras que impeçam a criatividade”.
Dantas não adiantou os nomes dos artistas que vão suceder Anish Kapoor após setembro de 2021, mas garante que não existe nenhum francês na lista, a despeito do interesse pessoal de Allard na produção contemporânea. “Já temos o Jean Nouvel e o Philippe Starck”, justifica o curador da Casa Bradesco da Criatividade.
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