Em outubro, a Dom Pérignon organizou uma festa na Brant Foundation, no East Village, em Nova York, a milhares de quilômetros de sua sede na região francesa de Champagne. Na festa, que comemorou a parceria da Dom Pérignon com o patrimônio de Jean-Michel Basquiat, as atrizes Zoë Kravitz e Natasha Lyonne, o modelo Evan Mock e Raul Lopez, designer da subversiva marca de moda Luar, bebericaram Dom enquanto se divertiam ao som do DJ Justin Strauss, habitué do Mudd Club.
O quadro de Basquiat In Italian, obra neoexpressionista repleta de rabiscos gestuais e imagens marcantes – rostos, moedas, criaturas sombrias e palavras enigmáticas, como “dentes” e “coroa de espinhos” – estava pendurado em uma das paredes. Por todo o salão se espalhavam garrafas de uma edição limitada de uma safra de 2015 de Dom Pérignon, com rótulos inspirados em motivos de Basquiat, como sua característica coroa em amarelo, sobreposta de forma a sugerir uma conexão entre o trabalho do artista e o logo em forma de escudo da Dom Pérignon.
“Acho que as pessoas estão procurando mais do que só a experiência de consumir”, disse Jacques Giraco, sócio-gerente da Dom Pérignon, falando sobre a decisão de sua empresa de evocar a imagem de um artista sinônimo da cena underground do centro da cidade de Nova York na década de 1980. “É uma experiência total. Evoca emoção e cria um vínculo mais forte com a marca”.
O flerte entre arte e álcool não é novo – basta lembrar de Andy Warhol e da vodca Absolut nos anos 80 – mas faz muito sentido hoje, quando muitos estudos indicam que a Geração Z está bebendo menos álcool do que as anteriores. Além disso, o cenário econômico instável faz com que vinhos e destilados caros pareçam gastos desnecessários para muitos consumidores.
Parcerias como estas proporcionam às marcas de bebidas alcoólicas um item novo para promover, mas também, nas melhores circunstâncias, uma maneira de trazer o fascínio do mundo da arte às suas bebidas. Um Basquiat pode facilmente custar muitos milhões – US$ 110,5 milhões, em um leilão recorde de 2017 – então, uma garrafa de Dom com a marca Basquiat, que custa US$ 305, pode ser vista como uma verdadeira pechincha.
“Os consumidores mais jovens simplesmente não estão se envolvendo muito com o álcool”, disse Marten Lodewijks, presidente da divisão dos Estados Unidos da IWSR, uma empresa de dados que acompanha o setor de bebidas alcoólicas. “Estamos vendo um esforço muito maior para criar ganchos para atrair esses jovens”.
Então, que comecem as colaborações que unem bebida e arte. A Qui Tequila recentemente trabalhou com o grafiteiro Brian Donnelly, mais conhecido por seu nome artístico KAWS, em uma série de três rótulos de edição limitada em sua fonte antropomorfizada. As garrafas custam US$ 1.000 cada. O artista de rua André Saraiva contribuiu com a arte para a embalagem de uma edição limitada do uísque escocês Glenfiddich, lançado em setembro com preço inicial de US$ 2.100.
Outras alianças de marcas têm preços que chegam a impressionantes cinco dígitos. O artista Daniel Arsham, por exemplo, criou uma “cápsula do tempo” de resina fundida, na qual se aloja uma garrafa de Moët & Chandon (apenas 85 edições, US$ 28.000 cada). E a marca de conhaque Hennessy contratou o escultor Jean-Michel Othoniel para criar dois decantadores, um em cristal Baccarat envolto em um receptáculo de madeira incrustado de pedras preciosas, ao preço de 35 mil euros.
“Eles não querem ser apenas uma marca de bebidas alcoólicas”, disse Guy Wolfe, diretor de insights para bebidas alcoólicas da IWSR, referindo-se aos fabricantes de vinhos e destilados de alta qualidade. “Eles se veem no mesmo nível das artes, com marcas como Louis Vuitton, Chanel e Dior”.
Para algumas marcas, a associação com a arte pode ser um ponto de diferenciação. “A categoria está saturada com o envolvimento de celebridades”, disse Medhat Ibrahim, um dos fundadores da Qui Tequila. “Queríamos algo que criasse mais valor para o consumidor que está comprando esse produto”.
A conexão da Qui Tequila com KAWS foi forjada pelo célebre chef Nobu Matsuhisa, que já vinha trabalhando com a Qui Tequila, posicionando-a como uma bebida alcoólica preferida dos apreciadores de jantares finos. Matsuhisa é fã e colecionador do trabalho de Donnelly, então a parceria foi formada para comemorar o 30º aniversário de Nobu.
“Estamos entregando uma obra de arte, uma garrafa com um belo design e um líquido excepcional com 25 anos de idade”, disse Ibrahim.
Giraco, da Dom Pérignon, veio do mundo das fragrâncias, no qual novos aromas são introduzidos com certa rapidez. Uma colaboração de alto nível, como a que foi feita com o patrimônio de Basquiat, permite que a marca crie um senso de urgência e entusiasmo em uma categoria mais lenta como a do champanhe, que é limitada pela produção de uvas.
“Mesmo as pessoas que são verdadeiras conhecedoras de vinho adoram a novidade”, disse Giraco. “Dá para ver no Instagram, elas comentam e colecionam”.
Se um rótulo de Basquiat quer comparar o Dom Pérignon à produção de arte, que assim seja. “O processo de produção é muito complexo”, disse Giraco. “Então, ter uma conexão com a arte, que também é complexa, é uma boa combinação”.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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