Um dado inédito sobre a biografia de Lasar Segall motivou a realização de um novo livro e de uma exposição sobre o artista – o pintor, escultor e gravador lituano nasceu em 1889 e não em 1891 como ele afirmou em sua autobiografia e em currículos.
“Viver uma vida brasileira protegida, na casa e no ateliê de Vila Mariana, mas rodeado de lembranças da casa paterna na Rússia, permitiu-lhe ‘recordar’ de maneira criativa episódios de vida que deixou registrados em um escrito de título revelador – Minhas Recordações”, afirma a historiadora Vera d’Horta. “Cabe ao historiador, no entanto, indicar que há, em seu arquivo pessoal, documentos que provam que ele era, de fato, dois anos mais velho do que gostaria”, escreve a pesquisadora – e descobridora da novidade – no texto Lasar Segall (1889-1957), que abre a edição homônima lançada agora pela Pinakotheke Cultural.
“Traduzimos documentos do russo, alemão e hebraico, que estavam no Museu Lasar Segall, e neles havia a certidão de nascimento com a data correta”, conta o marchand Max Perlingeiro, diretor da Pinakotheke, galeria com espaços em São Paulo, Rio e Fortaleza, além de editora. Organizador da mostra Lasar Segall (1889-1957) – Pinturas – Desenhos – Gravuras e Esculturas, a ser inaugurada neste sábado, 16, na Pinakotheke paulistana, Perlingeiro comenta que muitas das 65 obras do artista reunidas para a exposição (grande parte delas do acervo da família do pintor, mas há também peças de outras coleções particulares) são apresentadas para o público de forma inédita.
Por exemplo, entre as 11 pinturas a óleo selecionadas, 3 delas “nunca foram expostas juntas” – e trata-se de criações realizadas por Segall em 1915 em passagem curiosa de sua trajetória, sua estadia na cidade alemã de Meissen. Na época, o artista, nascido em Vilna, Lituânia (então pertencente ao Império Russo), cursava a Academia de Belas Artes de Dresden, mas, como Alemanha e Rússia entraram em conflito em 1914 no contexto da 1.ª Guerra, os cidadãos russos que estavam em solo alemão “foram levados para Meissen”, escreve Vera d’Horta.
“Em seus escritos autobiográficos, Segall fala de sua situação de ‘prisioneiro civil de guerra’, mas sua primeira esposa, Margarete, nos contou que ‘o antigo professor Kühl’ conseguiu que Lasar ficasse em Dresden como aluno-mestre”, continua a historiadora no livro. Entretanto, apesar da controvérsia, as telas que remetem ao “confinamento” do lituano em Meissen tornam-se exemplares de um diferente “Segall expressionista”. Esses trabalhos, principalmente os que representam a praça do mercado da localidade alemã, foram criados com uma “paleta grossa”, como destaca o marchand – e as composições volumosas de 1915 também chamam a atenção pelas cores claras.
No campo da pintura, ainda, outro destaque da exposição é Vigília Fúnebre (1928), um óleo sobre tela monocromático em bistre (tonalidade castanha-vermelha), como indica Max Perlingeiro, que representa a morte do pai de Lasar, Abel Segall. Como conta o organizador da mostra, o artista restabeleceu sua ligação com o judaísmo quando veio para o Brasil, em 1923 – e, sendo assim, Vigília Fúnebre traz no alto do quadro a inscrição em hebraico “Aba Segall”, que quer dizer “Pai Segall”.
Mais ainda, a mostra apresenta uma quantidade expressiva de trabalhos do pintor e escultor realizados sobre papel. Os desenhos de Segall, entre aquarelas e gravuras reunidas, valem, na verdade, atenção especial do visitante da exposição. Além de expressarem transformações estilísticas do criador, essas peças revelam as mudanças do olhar do artista e seu interesse, por exemplo, pelos brasileiros e pela vegetação do Brasil, onde viveu até sua morte. Ao mesmo tempo, essas delicadas criações gráficas também apresentam um caráter mais íntimo do pintor quando ele desenha nus femininos e representa casais.
A exposição também promove uma “intimidade” com Segall por meio da exibição de materiais originais de seu ateliê; da rápida filmagem de 1927 que o registra com a mulher Jenny Klabin e o filho Maurício; e da reprodução de um áudio de 1936 no qual ele fala sobre o ofício artístico.
LASAR SEGALL (1889-1957). Pinakotheke São Paulo. Rua Ministro Nelson Hungria, 200, Morumbi, tel. 3758-5202. 2ª a 6ª, 10h/18 h; sáb., 10h/16h. Até 28/5. Abertura sábado (16), às 11h
LASAR SEGALL (1889-1957) Organização: Camila Perlingeiro. Editora: Pinakotheke (141 págs., R$ 50)
Móveis do pintor são reeditados
Peças de mobiliário desenhadas por Lasar Segall em 1932 para sua residência em São Paulo foram reeditadas recentemente pela marca Etel, que apresentou essas históricas criações de design modernista na SP-Arte/2016. Os móveis – poltronas, mesa de centro, uma mesa e sofá –, feitos em madeira ebanizada, explica a Etel, que fez parceria com os herdeiros do artista para a reedição, são pintados em preto e têm assentos estofados em tecido bege.
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