‘Estamos apartados da natureza’, diz Sonia Dias, artista que retrata relação entre humanos e a Terra

Em sua segunda mostra individual, artista propões que nós, seres humanos, consigamos nos ver como parte integrante do meio ambiente

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Foto do author Daniel Silveira
Atualização:

Quando menina, Sonia Dias Souza sonhava em ser arqueóloga. Se tivesse seguido em frente, trabalharia com registros da relação humana com a natureza em tempos imemoriais. No entanto, ao decidir por uma carreira, acabou escolhendo o Direito, área na qual trabalhou por alguns anos, até voltar seu olhar e coração às artes visuais. Agora, a artista usa seu trabalho para provocar uma reflexão sobre o impacto da relação da humanidade com a natureza, uma espécie de arqueologia para o futuro -- algo que só a arte seria capaz de proporcionar.

A artista visual Sonia Dias acaba de abrir a mostra individual 'Da Terra que Somos' no Museu da República, em Brasília, sua segunda individual no Brasil. Foto: Jade Gadotti/Divulgação

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Com o olhar para essa relação, Sonia quer mostrar que nós, humanos, somos parte desse sistema complexo que é o planeta Terra e não estamos isolados do todo. Isso está presente em algumas das suas peças que estão em exposição no Museu Nacional da República, em Brasília, na mostra Da Terra que Somos, que fica em cartaz até 17 de fevereiro de 2025.

“O resultado plástico do trabalho [da mostra] pode inspirar essa reflexão, porque ela, de alguma forma, foi primordial em mim”, comenta Sonia em entrevista ao Estadão. “Especialmente, acho que na arte, tudo se concentra nessa questão do homem, na sua relação consigo e com o planeta”, diz, completando que, para ela, é importante que essa relação não seja apenas do homem com o planeta. “Antes ele tem que ter [uma relação] consigo.”

A artista, que está em sua segunda exposição individual - a primeira foi no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba -, conta que, desde mais nova, essas ideias passam por sua cabeça. “Quando eu era moça, um professor, e isso que me encantou, perguntou o que a gente via numa foto, que era uma criança brincando. E a nossa resposta foi um homem na natureza. Não sabíamos dizer que o homem era a natureza”, conta. “É uma mostra de como estamos apartado na natureza. E eu me interesso por todos os temas que levam a esse tipo de reflexão, por isso que eu acredito que isso saia de mim naturalmente”, explica, falando sobre sua inspiração para suas obras.

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A obra Magna' traz mais de uma centena de seios feitos em argila negra, representando nutrição e criação. Foto: Acervo Pessoal/Sonia Dias/Divulgação

Olhar ampliado

A amplitude do pensamento da artista é resultado de sua formação diversificada. Depois de se dedicar ao Direito por anos, por volta de 2011 Sonia começou estudar e explorar o universo da fotografia. Até que em 2015, após uma viagem à Índia, decidiu se dedicar completamente ao estudo da arte.

Sua forma de olhar a natureza e o planeta também é resultado de muita observação e busca por conhecimento. Sonia dedicou-se a estudar em profundidade Filosofia da Imagem, Escultura e Fotografia. Além disso, seu interesse por arqueologia fez com que a ciência seguisse fazendo parte do universo de seu trabalho.

“Eu busco muito elementos arquetípicos, da memória coletiva universal, acho até que sem querer”, diz. “Esses símbolos, o resgate de sabedorias ancestrais que a gente vê nos indígenas, nos africanos, em que eles usavam artefatos, instrumentos, as máscaras, para se conectar com a natureza; eles tinham um respeito profundo por essa cosmologia”, continua.

A obra Vórtice faz parte da mostra 'Da Terra que Somos', em cartaz no Museu da República, em Brasília. Foto: Acervo Pessoal/Sonia Dias/Divulgação

Seu trabalho é uma forma de olhar para essas culturas mais integralistas e resgatar a ideia de que somos parte do todo. “Eles não se viam como apartados, se viam como integrantes. O nosso processo - entre aspas - de evolução foi provocando um descolamento do entendimento de nós como parte da natureza, de nós sendo a natureza”, pontua.

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Conectividade entre nós e o universo

Este conjunto de estudos e o olhar para outras culturas diferentes da ocidental estão dispostos nas obras de Sonia. A artista leu obras de física e biologia, especialmente botânica, além de ter se debruçado sobre mitos cosmogônicos extraídos da História das Religiões e de visões do sagrado.

Em sua investigação, passou por aspectos fundamentais do nosso corpo, como sangue, fertilidade, até chegar à comunicação entre tudo o que existe. Seu trabalho também une materiais orgânicos, como madeira e argila, a inorgânicos, como vidro e feltro. “Tudo começou só com a natureza e com o homem como parte dela. Fazia instalações no mato e fotografava”, explica. Mais tarde, ela resolveu trazer sua arte para o ambiente urbano.

'O sangue não tem cor' também é parte da mostra e alerta para a expansão descontrolada do antropoceno. Foto: Annel Galante/Divulgação

“Percebi que eu perdia todas as obras muito rápido, porque, sim, é normal, arte é efêmera, acaba, morre, apodrece, mas fiquei pensando: ‘será que eu não posso, respeitando, sendo fiel ao meu conceito, ao que eu penso, fazê-las durar um pouco mais?”, continua. Então, os elementos artificiais entram na sua obra para complementar, fazer uma conexão. Como se fosse a própria humanidade artificializada ao longo dos séculos se ligando à natureza novamente.

O sangue não tem cor é uma de suas obras no Museu da República. Composta por pequenas esferas de feltro, semelhantes a hemácias, célula cujo ciclo de crescimento é interrompido, alerta para a expansão descontrolada do antropoceno. A peça, que se assemelha a uma espiral, conduz a questões como identidade, alteridade, raça e etnia. É uma forma de olhar para dentro e, assim, visualizar o lado de fora.

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Em Vórtice, a artista utiliza círculos de terra que formam o triângulo invertido, forma arquetípica feminina, que muitos podem enxergar como um útero. Está ali como a simbolizar fecundidade e transformação. A terra, afinal, é de onde nascemos, segundo algumas mitologias. E Magna, outra de suas obras em exposição na mostra, reúne cerca de uma centena de seios de argila negra. Juntos, representam nutrição e criação e estão conectados a ovos vermelhos para formar uma expressão plena e proliferante do início da vida.

Mostra ‘Da Terra que Somos’

  • Museu Nacional da República, em Brasília (DF)
  • Entrada gratuita
  • Terça a domingo - das 9h às 18h30
  • De 21 de novembro a 17 de fevereiro de 2025
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