Exposição ‘Ancestral’ une Brasil e EUA pela diáspora africana e sua cultura em corpo, espaço e sonho

Mostra na Faap, em cartaz até o início de 2025, traz 134 obras de 74 artistas; veja fotos

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Por Amanda Queirós
Atualização:

Brasil e Estados Unidos têm uma mesma ferida. Os dois países foram protagonistas de violentos processos de tráfico e escravização de pessoas até o século 19 e se tornaram destino de algumas das maiores diásporas africanas do mundo. Isso fez com que as culturas negras se tornassem intrínsecas a ambas as sociedades.

Essa similaridade é chave na exposição Ancestral: Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil, que abre para convidados nesta segunda-feira, 29, e segue com visitação gratuita até 26 de janeiro de 2025 no Museu de Arte Brasileira da Faap, em São Paulo.

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Ali estão reunidas 134 obras de 74 artistas afro-brasileiros e afro-americanos, incluindo desde nomes consagrados, como Betye Saar, Abdias do Nascimento e Emanuel Araújo, a jovens potências da arte contemporânea, a exemplo de Siwaju e Jordan Casteel.

“Digo que essa é a história de dois irmãos, um que foi colocado no navio pro norte e outro pro sul, e vão se reencontrar aqui”, afirma Marcello Dantas, diretor artístico da mostra. O conceito nasceu após uma proposta feita pela embaixada norte-americana no Brasil para uma celebração do bicentenário das relações diplomáticas entre os dois países, comemorado em 2024.

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“Se tem algo que ficou de fora desses 200 anos é o tanto de irmandade que existe entre essas nações. Hoje a gente consegue identificar que as expressões negras são matriciais em ambas as culturas, criadas a partir de elementos em comum que viajaram através de diferentes línguas”, diz Dantas.

Local da exposição 'Ancestral: Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil' antes de sua abertura em definitivo ao público geral Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ancestral

Com isso, nasceu o título da exposição, Ancestral, e o desejo de falar de uma identidade compartilhada. O passo seguinte era encontrar os nomes responsáveis por escolher o que seria apresentado.

A curadoria foi então dividida entre a carioca Ana Beatriz Almeida, artista conhecida por investigar temas como espiritualidade e conhecimento não-verbal em grupos de origens africanas, e a norte-americana Lauren Haynes, especializada em arte afro-americana moderna e contemporânea e atual diretora de assuntos curatoriais e programas no Queens Museum, em Nova York.

Desconhecidas uma da outra até o início dos trabalhos, as duas logo se conectaram por integrarem uma mesma “rede ancestral”, como caracteriza a brasileira. “Temos um lugar de convergência, de entender o artista como comunidade. Então começamos a pensar quais eram os recortes curatoriais que passavam pela ética do cuidado e da ancestralidade como lugar não só de produção, mas de vivência.”

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Exposição 'Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil' traz obras de diferentes momentos da história Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Corpo, espaço e sonho

Esse caminho as levou a um tripé que funde corpo, espaço e sonho. No corpo estão as memórias de deslocamento e resistência, enquanto o espaço é o território no qual essas memórias são atualizadas. O sonho entra em cena para restaurar o transcendental em um contexto ocidental onde esse aspecto é frequentemente reprimido. “O que une tanto o senso de identidade afro-americano quanto o afro-brasileiro é como o corpo reage a essa sociedade”, diz Ana.

Na exposição, isso se materializa, por exemplo, na conversa entre o texano Melvin Edwards e o baiano Jayme Figura. Mesmo produzidas em épocas e contextos diferentes, suas criações utilizam o metal como suporte para um comentário sobre as agressões sofridas por pessoas negras.

Outro desses diálogos é entre Carrie Mae Weems, nascida no estado de Oregon, e a baiana Mayara Ferrão. Enquanto a americana evoca carinho e conforto a partir da foto de um grupo de meninas negras, a brasileira desperta estranhamento com cenas realistas criadas por inteligência artificial. Elas mostram romances homoafetivos entre mulheres negras em um passado fictício e questionam quais imagens teriam sido feitas das bisavós e tataravós dessas populações caso tivessem tido a oportunidade de serem retratadas.

Obras fazem uso de cores diversas na exposição 'Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Temos poucas obras figurativas, mas elas são importantes porque falam de uma manifestação de uma existência. Todo o resto da exposição é sobre outras formas de produzir a presença naquele espaço”, afirma Ana Beatriz. Nessa outra ponta estão itens carregados de sentidos espirituais e também o abstracionismo da paulista Heloisa Hariadne e de Julie Mehretu, que já chegou a estampar carros da BMW e cartões de crédito American Express.

Apesar de Ancestral ser calcada nas conexões entre as artes de origem africana dos dois países homenageados, a curadora enxerga abertura para destacar as muitas singularidades também existentes entre elas. “Um dos traços da experiência racial que a gente viveu é essa noção de que o todo é único, mas existe uma camada mais sutil.”

Marcello Dantas, diretor artístico da exposição 'Ancestral: Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Cultura afro-diaspórica: um tema crescente

A exposição vem na esteira de outras mostras importantes realizadas no país nos últimos anos em torno das culturas afro-diaspóricas, como Histórias Afro-Atlânticas, organizada pelo Masp em parceria com o Instituto Tomie Ohtake e eleita uma das melhores exposições de 2018 pelo jornal The New York Times, e Dos Brasis, produzida ano passado pelo Sesc apenas com artistas negros brasileiros e atualmente em cartaz em Petrópolis, no Rio de Janeiro, além da última Bienal de São Paulo, a primeira com maioria de artistas não brancos. Vinte anos atrás, o próprio Marcello Dantas também montou Artes da África, dedicada ao período anterior à diáspora desse continente.

Um dos destaques de agora é a profusão de artistas estrelados em cartaz. Premiada pela Bienal de Veneza em 2022, Simone Leigh trouxe uma escultura inédita de sua própria coleção central em uma das três salas de exibição, enquanto Nari Ward, famoso por utilizar materiais pré-existentes, produziu um trabalho original que dialoga com a bandeira brasileira. Mestre Didi, Rubem Valentim, Arthur Bispo do Rosário e Rosana Paulino também estão presentes.

Peça exposta na mostra 'Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Parte das obras foi cedida pelo Museu Afro Brasil, e mais de um terço delas veio do acervo do Bank of America, um dos patrocinadores da exposição. Esta, por sua vez, conquistou o raro feito de agregar bancos concorrentes como apoiadores, como Bradesco, Citi, Itaú Unibanco e BB Asset. Completam a lista Caterpillar, Instituto CCR e Whirlpool.

Exposição vai para outras cidades

Metade dos recursos foi obtido por meio de isenção fiscal, via Lei Federal de Incentivo à Cultura. A outra metade foi investimento direto dos patrocinadores. Até 2026, haverá ainda itinerâncias por Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Salvador, carregando pelo país algumas das múltiplas perguntas e provocações instaladas pela curadoria.

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“Antes de chegarmos aos Estados Unidos e ao Brasil, o que éramos? Ancestral é essa tentativa de a gente lembrar do que não conseguiu esquecer”, conclui Ana Beatriz Almeida.

Ancestral: Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil

  • MAB FAAP. Rua Alagoas, 903
  • 3ª a domingo, das 10h às 18h.
  • Gratuito. Até 26/01/2025
Montagem da exposição 'Ancestral: Afro-Américas - Estados Unidos e Brasil' no MAB da FAAP Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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