A arquitetura moderna da residência Castor Delgado Perez, projeto assinado em 1958 por Rino Levi (1901-1965), é o cenário ideal para uma mostra como Fotografia Moderna 1940-1960, que a Luciano Brito Galeria abre neste sábado, dia 29, em parceria com Isabel Amado. Foi exatamente no período final coberto pela mostra que Brasília começava a sair do papel e João Gilberto lançava a primeira gravação da bossa-nova (Chega de Saudade, de 1958, mesmo ano da casa de Rino Levi). Com jardins projetados por Burle Marx e sua volumetria pura, a casa era o tipo de projeto arquitetônico que os fotógrafos experimentais da época adoravam registrar – e a exposição, com quase uma centena de imagens de nove fotógrafos, tem composições geométricas que usam edifícios modernos como modelos.
Hoje presentes nos acervos de grandes instituições internacionais, como o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e a Tate Modern de Londres, esses fotógrafos, de diferentes origens, tiveram em comum um clube de profissionais liberais que faziam experiências com fotografia, o Foto Cine Clube Bandeirante, fundado em 1939. Dos exemplos marcantes que participaram dele, Gaspar Gasparian (1899-1966), Geraldo de Barros (1923-1998) e Thomaz Farkas (1924-2011) são imediatamente associados ao experimentalismo que caracterizou a moderna fotografia brasileira dos anos 1940 em diante.
“Na época, os fotógrafos brasileiros estavam deixando para trás a referência pictorialista para enveredar por outro caminho”, lembra a curadora Isabel Amado. Um exemplo foi Gaspar Gasparian que, nascido no fim do século 19, se tornou conhecido como o introdutor da sintaxe visual moderna da chamada Escola Paulista, grupo informal ligado à estética da arquitetura brutalista. Contemporânea de Gasparian, a alemã Gertrudes Altschul (1904-1962), uma das raras mulheres do Foto Cine Clube Bandeirante, tinha pelos edifícios modernos o mesmo apego, dedicando-se a explorar a temática urbana, além de, a exemplo de Gasparian, fotografar objetos cotidianos e seus reflexos.
Dos nove integrantes da exposição Fotografia Moderna 1940-1960, três vieram da Europa fugindo do nazi-fascismo: a berlinense Gertrudes Altschul, o catalão Marcel Giró (1913-2011) e o húngaro Thomaz Farkas. É possível identificar nas fotos dos três elementos da vanguarda europeia (o construtivista russo Rodchenko, em particular).
A exposição Fotografia Moderna 1940-1960, além de fotógrafos internacionalmente reconhecidos, tem imagens que ajudaram a mudar o panorama de um país que abandonava seu passado colonial e ingressava na modernidade. Há nela fotógrafos como Thomaz Farkas que, em 1949, a convite do criador do Masp, Pietro Maria Bardi, realizou a primeira exposição de fotografia do museu, introduzindo sua linguagem abstrato-geométrica ao público. É possível pensar em Farkas como um discípulo tardio de Rodchenko, mas seria injusto não citar a influência de outros vanguardistas – e o nome do seu patrício húngaro Moholy-Nagy é incontornável quando se vê uma foto de Farkas como o um edifício visto em contra-plongée sintetizado numa construção gráfica.
Outro exemplo anteriormente citado é o do catalão Marcel Giró, visto nesta página num autorretrato de 1953, ano em que abriu o próprio estúdio em São Paulo, tornando-se pioneiro da fotografia publicitária no Brasil e mestre de fotógrafos como J.R. Duran e Márcio Scavone. Igualmente inspirado pelos grandes nomes do construtivismo e da Bauhaus, como Farkas, Giró foi, a exemplo de Gasparian, um pictorialista que trocou o realismo pelas composições de caráter experimental – como seu autorretrato diante de um prédio moderno.
A vocação dos fotógrafos ligados ao Foto Cine Clube Bandeirante era determinada, em certa medida, pelo convívio com artistas de formação ou diretamente ligados ao concretismo, sendo Geraldo de Barros o exemplo imediato dessa escola, expandido as fronteiras do processo fotográfico tradicional ao intervir diretamente nos negativos. É também um dos mais caros da exposição, que tem fotografias com preços variáveis entre R$ 13 mil e R$ 200 mil.
Ligado ao movimento concreto desde seus primórdios – o grupo Ruptura, de 1953, coordenado por Waldemar Cordeiro – o fotógrafo Ademar Manarini (1920-1989), que foi industrial, como Geraldo de Barros, designer de móveis, tinha, como todos os fotógrafos da Escola Paulista, interesse na construção geométrica ao compor suas imagens. Prova disso é sua foto reproduzida a seguir (uma passarela no largo Ana Rosa em 1950). A multiexposição seria frequente na obra de Manarini – e essa foi uma característica dos fotoclubistas da época, sendo um dos expoentes do Foto Cine Clube Bandeirante Eduardo Salvatore (1914-2006), representado na exposição com uma foto que integra o acervo do MoMA, Os Bancos (1960).
A mostra traz ainda fotografias de Mario Fiori (1908-1985) e Paulo Pires (1928-2015). O primeiro, filho de imigrantes italianos, foi alfaiate e enfermeiro, antes de se integrar ao Foto Cine Clube Bandeirante em 1948. É dele uma enigmática foto conceitual, Dia de Folga, que resume seu título numa corrente. Paulo Pires, na linha de Manarini, registrou a transformação da metrópole, mas não de forma documental. Suas imagens resultam de um sofisticado trabalho de composição.
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