Herdeiro de uma das maiores dinastias de negociantes de arte do mundo é julgado por fraude; entenda

Francês Guy Wildenstein teria escondido as obras das autoridades fiscais para evitar uma pesada lei de herança. Os Wildenstein, família de colecionadores de arte há cinco gerações, tinham coleção com Caravaggio, Manet e outros

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Por Aurelien Breeden

THE NEW YORK TIMES - Guy Wildenstein, negociante de arte internacional, deve retornar ao tribunal em Paris esta semana para enfrentar acusações de fraude fiscal e lavagem de dinheiro em uma longa batalha jurídica que vem destruindo lentamente o prestígio e a discrição de uma dinastia familiar que chegou a dominar o mercado de arte global.

Negociante de artes Guy Wildenstein (centro) está de volta ao banco dos réus acusado de fraude fiscal por ter, supostamente, escondido obras de arte da receita francesa, a fim de burlar uma lei de herança. Foto: Thomas Padilla/AP

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Os promotores franceses estão em sua terceira tentativa de condenar Wildenstein, 77 anos, que, segundo eles, escondeu partes significativas da famosa coleção de arte e outros bens de sua família em um labirinto vertiginoso de fundos e empresas de fachada depois que seu pai, Daniel, morreu em 2001 e depois da morte de seu irmão, Alec, em 2008. O motivo, segundo os procuradores, era evitar o pagamento de centenas de milhões de euros em impostos sobre herança.

Wildenstein, patriarca da família franco-americana e presidente da Wildenstein & Co. em Nova York, foi absolvido das acusações de fraude fiscal e lavagem de dinheiro em 2017. Essa decisão foi mantida por uma corte superior, mas depois anulada em 2021 pelo principal tribunal de apelações da França, que ordenou a realização de um novo julgamento, a partir desta segunda-feira, 18.

Os Wildenstein, família de negociantes de arte franceses que abrange cinco gerações desde a década de 1870, eram notoriamente reservados sobre sua coleção, que incluía obras de Caravaggio, Jean Honoré Fragonard, Édouard Manet e muitos outros.

Como resultado, não existe uma lista completa das muitas obras-primas que se acredita pertencerem a uma coleção que em vários momentos foi espalhada pelo mundo todo. Um porto franco suíço, um bunker nuclear nas montanhas Catskill, em Nova York, um antigo quartel de bombeiros naquele estado e um cofre em Paris estão entre os muitos lugares onde partes da coleção foram armazenadas. A família também possui galerias em Nova York e Tóquio, bem como um prestigiado instituto de pesquisa no coração da capital francesa.

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Longa história com a justiça

Mas, desde a década de 2000, repetidas complicações jurídicas levantaram lentamente a cortina dos negócios dos Wildenstein, muitas delas resultantes de processos movidos por mulheres da família que foram privadas da sua vasta fortuna em divórcios e disputas de herança.

Claude Dumont Beghi, advogado que representou Sylvia Wildenstein, viúva de Daniel, em alegações de que seus enteados a roubaram na partilha da herança, disse que os crescentes problemas legais eram “meio como uma bomba de fragmentação”.

“Era uma dinastia extremamente discreta”, disse Dumont Beghi, que se tornou confidente de Sylvia Wildenstein até sua morte em 2010 e esteve intimamente envolvida no caso contra os Wildenstein. Ela publicou vários livros sobre a família e foi processada por difamação por Guy Wildenstein em 2016, embora ele posteriormente tenha desistido do processo.

Agora, disse Dumont Beghi, “este caso colocou os holofotes sobre eles”.

Daniel Wildenstein, à esquerda, e Alex, seu filho, em 1963. Foto: John Orris/The New York Times

Os promotores alegam que os Wildenstein foram responsáveis pela “mais longa e sofisticada fraude fiscal” da história da França moderna ao ocultarem arte e outros bens sob fundos registrados em lugares distantes, como as Bahamas ou as Ilhas do Canal, e ao enviarem milhões de dólares em obras de arte para paraísos fiscais.

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Ao fazê-lo, dizem os procuradores, a família subestimou sua enorme riqueza e bens, que a certa altura também incluíam propriedades em Paris e Nova York, uma extensa fazenda no Quênia e vários cavalos puro-sangue.

Um advogado que representa Guy Wildenstein na França não quis comentar. No passado, sua defesa alegou que ele fora informado por consultores jurídicos que não tinha de declarar obras de arte às autoridades fiscais se estas fossem tecnicamente propriedade de fundos fiduciários e não da própria família.

A fraude fiscal acarreta uma pena máxima de prisão de sete anos e multas potencialmente pesadas, além do pagamento dos impostos atrasados. Ainda não está claro que penalidade financeira os promotores buscarão contra Wildenstein se ele for condenado no novo julgamento, mas, nos anteriores, eles haviam solicitado uma multa de 250 milhões de euros.

Sete outros réus - que já haviam sido inocentados - também serão julgados em Paris.

Entre eles está o sobrinho de Wildenstein, Alec Jr., e sua cunhada, Liouba Stoupakova, que foi casada com seu irmão Alec. Stoupakova também está travando sua própria batalha legal contra os Wildenstein por sua parte nos lucros dos fundos criados por seu falecido marido. Um círculo de consultores jurídicos e financeiros suíços e franceses e empresas fiduciárias estrangeiras também respondem a processos.

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Em julgamentos anteriores, os juízes decidiram que, embora a família tivesse demonstrado uma “intenção clara” de ocultar riqueza, suas ações haviam ultrapassado o prazo de prescrição ou caído em uma zona jurídica cinzenta, antes de a França promulgar uma legislação em 2011 que exige que fundos fiduciários estrangeiros sejam declarados às autoridades.

Léa Saint-Raymond, economista e historiadora de arte da École Normale Supérieure de Paris, disse que os Wildenstein construíram ao longo das décadas uma vasta rede de coleta de informações, comprando correspondência de artistas ou de seus negociantes, mantendo um controle atento sobre quais colecionadores possuíam o que, tornando-se editores de uma famosa crítica de arte francesa e até vasculhando arquivos notariais em busca de pinturas perdidas.

“Eles são uma parte indispensável do mercado graças às informações que coletaram desde o século 19″, disse Saint-Raymond. “E informação é a força vital do mercado de arte”.

A influência da família diminuiu um pouco à medida que o gosto dos ultra-ricos mudou para uma arte mais contemporânea e a procura por arte histórica diminuiu. Mas seu tesouro de informações ainda é valioso. Eles continuam sendo autoridade em impressionistas e antigos mestres e publicaram catálogos definitivos sobre pintores como Claude Monet e Paul Gauguin, o que lhes dá a palavra final sobre questões de autenticação.

Essa autoridade profissional e acadêmica permanecerá, pelo menos por enquanto, disse Saint-Raymond, mesmo que a reputação pessoal de Wildenstein seja prejudicada pelo caso fiscal.

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“O realmente prejudicial é quando você é suspeito de traficar obras de arte falsas”, disse Saint-Raymond. Apesar do julgamento, acrescentou ela, “uma proveniência Wildenstein ainda é bastante segura”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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