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Depois de criar xilogravuras sobre paisagens e outras lembranças felizes de Curral Comprido, povoado próximo a Isaías Coelho, no Piauí, Santidio Pereira começou a se cansar do figurativo, como ele diz. No ateliê do Instituto Acaia, na Vila Leopoldina, em São Paulo, o jovem artista está “destruindo” algumas de suas matrizes de madeira MDF – na verdade, extraindo árvores e nuvens de composições antes criadas para deixar apenas as “silhuetas dos morros” e, assim, gravar, em novas obras, relações de cores, experimentar a abstração. “É igual música: às vezes, o Caetano Veloso está cantando, mas, às vezes, você não quer ouvir vozes, quer ouvir só o som, quer ouvir Joe Hisaishi, o cara que faz as trilhas (dos filmes) do (Hayao) Miyazaki”, explica.

O artista Santidio Pereira no ateliê do Instituto Acaia, em São Paulo Foto: GABRIELA BILO/ESTADÃO

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Aos 19 anos, Santidio Pereira prepara-se para realizar a sua primeira exposição individual, a ser inaugurada no dia 30 de agosto, às 19 horas, na Galeria Estação. Nela, certamente, o público poderá conhecer as mais recentes criações do artista, xilogravuras nas quais é como se observássemos um “namoro das cores”, ele comenta. O azul e o amarelo “quase se tocam, mas não se tocam”, exemplifica Santidio, destacando, também, a importância de deixar um pouco de “branco no meio” da composição. “Não sei se as pessoas veem como montanhas”. Mas sua mostra, com curadoria de Rodrigo Naves – que assina o texto do catálogo, terá, ainda, outros exemplares do talento do xilogravador.

De alguma forma, Santidio Pereira duvida que seja mesmo verdade tanta coisa boa acontecendo agora em sua trajetória. Além da individual na Galeria Estação (que abre, na mesma data, a exposição Um Certo Olhar, recorte da coleção da galerista mineira Celma Albuquerque), Santidio é um dos dez finalistas do 5.º Prêmio Energias na Arte, deste ano. No ateliê do Acaia, ele vem trabalhando, diariamente, no conjunto de grandes xilogravuras que exibirá na mostra dos selecionados da premiação, com abertura marcada para 8 de novembro, no Instituto Tomie Ohtake. Os gigantescos pássaros vermelhos e cavalos amarelos das novas peças figurativas são, possivelmente, imagens das memórias do Piauí, onde o gravador viveu até os 7 anos.

“Tem uma coisa que nunca ninguém me falou, a poética do artista. E até agradeço”, afirma Santidio Pereira, que deixou a casa do bisavô em Curral Comprido para viver com a mãe e os três irmãos em um pequeno barraco na Favela do 9, ao lado do Ceagesp, na Vila Leopoldina. “Em São Paulo, foi outra coisa. Nunca tinha visto carro, ônibus, fusca, escada rolante, privada. A gente morava na roça e não tinha água, nem luz, mas não era problema nenhum. Quando cheguei aqui foi que começou a ser problema essas coisas”, lembra.

Como conta Santidio, que nasceu em 23 de outubro de 1996, sua mãe, Maria José de Sá Pereira, ficou sabendo do Acaia e o matriculou, já “aos 8 ou 9 anos”, no instituto, que oferece atividades socioeducativas na região. Nos ateliês da ONG, o jovem teve aulas de marcenaria e desenho até descobrir o curso de xilogravura, no qual conheceu um mestre, o grande gravador Fabrício Lopez.

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“Dizem que quando você entra na faculdade, a primeira coisa que falam é que o artista tem que achar a sua poética. Aí comecei a querer fazer coisas da infância”, explica Santidio Pereira. O bisavô cortando lenha; lavadeiras, incluindo sua mãe na cena; o vestido colorido da avó; o morro do Piauí; os irmãos nadando no rio; um cavalinho amarelo com o vaqueiro; uma menina com uma flor no cabelo são algumas imagens citadas pelo artista – e que reconhecemos em seus belos trabalhos. “São todas lembranças felizes. Antes, já fiz coisas tristes. Fazia a favela, não que ela seja triste, um morador de rua, não que seja triste, um traficante. Não faço nada de São Paulo mais, a não ser algo que me deixe muito feliz. Quero ficar feliz com o que eu vejo. E eu faço (as obras) para mim.” 

SANTIDIO PEREIRA Galeria Estação. Rua Ferreira de Araújo, 625, tel. 3813-7253. 2ª a 6ª, 11h/19h; sáb., 11h/15h. Até 15/10. Abertura dia 30/8, às 19h 

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