Membro do histórico Atelier Abstração – grupo de artistas que, a partir de 1951, sob a coordenação de Samson Flexor, introduziu no Brasil o abstracionismo geométrico na pintura –, o pintor Jacques Douchez teve seu primeiro contato com a tapeçaria artística a partir da obra do também francês Jean Lurçat. Revolucionária por seu conteúdo radicalmente abstrato, a obra de Lurçat deixou marcas profundas no ideário do futuro artista têxtil. Mas, ainda assim, o discípulo foi além: ultrapassou as dimensões da tela para invadir o espaço. “Situo a 13.ª Bienal de São Paulo, em 1975, e sobretudo a proximidade com o trabalho da polonesa Magdalena Abakanowicz, como um ponto crucial na trajetória do Atelier Douchez-Nicola (espaço fundado por Jacques e Norberto Nicola nos anos 1950, e que perdurou até 1980). A partir daí, a tridimensionalidade surgiu para eles como um caminho claro a seguir”, considera Graça Bueno, galerista da Passado Composto Séc. 20, que reúne hoje um dos maiores acervos de tapeçarias artísticas do País.
Quase meio século depois, outra exposição – Os Pássaros de Fogo Levantarão Voo Novamente. As Formas Tecidas de Jacques Douchez e Norberto Nicola –, promovida pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, MAM, para celebrar o legado da Semana de Arte Moderna de 2021, apresentou, até março, as tapeçarias da dupla sob ponto de vista inédito: penduradas no teto, para que fossem vistas a partir de qualquer ângulo. Tal como aconteceria com uma escultura ou qualquer obra tridimensional. Coincidência, ou não, Pássaros de Fogo assinala um momento de renascimento do interesse pela tapeçaria artística. Peças com relevo e texturas ressaltadas, como os da CC-Tapis, que reproduziam musgos, foram destaque na última edição do Salão do Móvel de Milão. Agora, jovens artistas passam a ver o tapete como uma nova modalidade de expressão. “Em 2019, antes da pandemia, eu vivia uma estafa total e decidi que precisava me conectar com meu trabalho de outra maneira. Como já estudava tapeçaria e gostava muito de comunicação visual, vi na arte têxtil um terreno fértil de pesquisa e fui experimentando”, conta o cineasta curitibano e artista têxtil autodidata André Rocca. “Desde 2020 não parei mais de produzir. Participei de feiras, tive trabalhos premiados”, acrescenta. Para Rocca, o que distancia seu trabalho de um objeto de design é o fato de ele não possuir uma função definida. “Minhas tapeçarias sempre foram criadas para serem expostas. Penso que meu trabalho se aproxima mais da arte que do design. Leio meu trabalho como sendo sobre espaços. Gosto da fragilidade do fio, da imperfeição das tramas soltas”, explica Rocca.
É de outra ordem, porém, a relação do designer catarinense Giácomo Tomazzi com os seus tapetes. “Como nasci no sul do Brasil, o tapete sempre desempenhou no meu imaginário uma sensação de ‘aquecimento’. Comecei desenhando um para uma exposição de design e, a partir daí, já foram cinco peças lançadas”, relata Tomazzi. “Ao contrário de um móvel, tenho muito mais liberdade de criar com base em cores, contrastes e texturas.” Nesse sentido, agrada a Tomazzi a ideia de que suas peças possam ser dispostas também em paredes. “O tapete em geral é uma peça de grandes dimensões. Ele ajuda a dar uma cara, confere uma força estética a cada espaço. Pode muito bem substituir um quadro ou uma pintura”, considera o designer, para quem o tapete “se presta muito bem, também, como base para se sentar no chão”. A ideia de criar peças que contassem com estampas únicas e autorais foi o ponto de partida de Sofia Bombig, fundadora da Koord Tapetes, na criação de seus tapetes em kilim. Desde 2018, ela já produziu mais de 400 estampas, além de 2 mil peças únicas para seus clientes. “O tapete tende a ser a última peça de uma ambientação, e normalmente uma peça neutra, para não destoar do projeto. Nosso objetivo é inverter esse movimento. Queremos que as pessoas comecem a decoração a partir do tapete, para, só na sequência, pensar no que vem depois”, argumenta Sofia.
Com espaço já garantido nas galerias de arte, tapetes devem continuar a ganhar cada vez mais espaço nas paredes domésticas. Quanto à veiculação artística, é uma questão de ponto de vista. Ou, talvez, de emoção, como ressalta André Rocca: “Em 1963, Norberto Nicola, questionado se suas tapeçarias, na 7.ª Bienal de São Paulo, eram obras de arte, foi direto: ‘Esse trabalho emociona você? Se sim, é arte’”.
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