Leonardo da Vinci, tema de uma nova mostra imersiva em São Paulo, As Farpas do Renascimento, que vai mostrar, a partir de 31 de maio, projeções de suas obras ao lado das de outro mestre, Michelangelo, é considerado um dos maiores gênios da história da arte. Porém, como o pintor e inventor viveu entre 1452 e 1519, há diversas lacunas em registros sobre sua vida e obras, além de mistérios sobre sua origem e outros fatores que o cercam. Relembre alguns que foram desvendados recentemente por cientistas abaixo.
A ponte atrás de Mona Lisa
Uma pesquisa conduzida pelo historiador italiano Silvano Vinceti, presidente do Comitê Nacional de Valorização dos Bens Históricos, Culturais e Ambientais da Itália, indica que a ponte situada no lado direito da tela da famosa pintura, logo acima do ombro da Mona Lisa, seria a Ponte Romito, situada em Laterina, na província de Arezzo.
A tese contraria as hipóteses mais populares até o momento, de que a imagem retrataria uma ponte de Buriano, também em Arezzo, ou a ponte medieval de Bobbio, na província de Piacenza.
“Eu também defendia a tese da ponte de Buriano, mas hoje não tenho mais dúvidas: a pintura mostra a ponte etrusca-romana de Romito”, disse Vinceti em 3 de maio de 2023, em Roma, ao apresentar os resultados de seu estudo.
“Um erro comum é pensar que Leonardo pintasse visões fantásticas. Na Mona Lisa, sim, mas não na paisagem”, acrescentou o historiador. Apenas um arco da ponte resistiu à passagem do tempo, mas, segundo Vinceti, a estrutura estava em pleno funcionamento nos primeiros anos do século 16 e era bastante frequentada, “como mostra um documento da família Médici encontrado nos arquivos de Estado de Florença”.
Naquele período, Da Vinci se encontrava no Vale do Rio Arno, que cruza a Toscana, primeiro a serviço de César Borgia e depois do então governante da República de Florença, Pier Soderini.
Da Vinci era filho de mulher escravizada
Caterina di Meo Lippi foi uma escrava durante vários anos de sua vida e seu ato de liberdade foi assinado pelo notário Piero da Vinci, pai do italiano, descobriu o pesquisador Carlo Vecce.
Apresentando seu livro Il Sorriso di Caterina em 14 de março de 2023, Vecce informou que encontrou o “ato de libertação de escravidão” no Arquivo de Estado de Florença e que sua pesquisa começou porque rumores de que a mãe do gênio era escrava estavam sendo divulgados.
Até então, a história sempre apontava que Da Vinci era um filho “ilegítimo” de Piero e Caterina, indicada apenas como uma simples camponesa que ficou órfã aos 15 anos. Pesquisas iniciais indicavam que a mulher era proveniente do Oriente Médio, mas pouco se sabia sobre sua vida real. A análise de Vecce revelou que Caterina nasceu na área do Cáucaso, e depois foi levada para a região do Mar de Azov, ainda parte da Rússia. Foi levada para Bizâncio, pouco antes da queda para os turcos, e dali foi para Itália: Veneza, Florença e depois para Vinci. A jovem virou doméstica aos 15 anos e era escrava de uma outra família local, de um homem chamado Donato. Ela foi “emprestada” para a família de Piero para ser “cuidadora” de uma das filhas do notário, Maria.
Da Vinci intuiu gravidade
Desenhos de experimentos realizados por Leonardo da Vinci mostram que o italiano estava estudando que a gravidade é uma forma de aceleração e que “intuiu” a descoberta de Isaac Newton (1643-1727) quase 100 anos antes da teoria do físico britânico.
Conforme a pesquisa feita por engenheiros do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e por especialistas da Universidade de Ciências Aplicadas e Artes da Suíça Ocidental (Hes-so), Da Vinci estava próximo de definir a constante gravitacional “g” com 97% de precisão.
Eles ainda realizaram um experimento computadorizado com os dados de Da Vinci e apontaram que o italiano usou de maneira certa uma equação errada em seus cálculos. Se tivesse conseguido corrigir, teria definido o “g” de maneira quase perfeita.
“Não sabemos se Leonardo fez novos experimentos ou investigou a questão mais a fundo, mas o fato que estava enfrentando os problemas dessa maneira, no início dos anos 1500, demonstra como seu pensamento era avançado”, concluiu o engenheiro da Caltech, Morteza Gharib.
As manchas do Codex Atlanticus
Um estudo do Politécnico de Milão descobriu que mercúrio e enxofre provocaram algumas manchas no Codex Atlanticus, publicado pela primeira vez em 1478 por Leonardo da Vinci. O Codex Atlanticus, doado para a Veneranda Biblioteca Ambrosiana de Milão em 1637, foi objeto de uma restauração feita pelo Laboratório do Livro Antigo da Abadia de Grottaferrata entre 1962 e 1972. Desde então, começaram os estudos para entender o que estava acontecendo, mas descartou-se a possibilidade de ser uma deterioração microbiológica.
O mistério começou a ser resolvido em 2021 por meio do trabalho de pesquisadores liderados por Lucia Toniolo. Eles fizeram uma espécie de “projeto-piloto” com a página 843. Ali, as análises apontaram a presença de nanopartículas não orgânicas, compostas por mercúrio e enxofre, entre as fibras de celulose do papel do paspatur. Segundo os especialistas, que publicaram o estudo na revista Scientific Reports, a presença de mercúrio pode estar associada a junção de um sal antivegetativo no interior da mistura da cola usada no restauro de Grottaferrata. O produto foi usado para evitar ações microbiológicas.
Já o enxofre está ligado à poluição atmosférica da cidade de Milão ou a aditivos usados na mesma cola que, com o tempo, teriam provocado uma reação com os sais de mercúrio e assim ajudaram no surgimento das partículas responsáveis pelas manchas pretas.
* Com informações da agência ANSA.
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