Quando se conta a história do modernismo brasileiro – e, mais particularmente, a da Semana de Arte Moderna de 1922 –, o nome do pintor suíço John Graz (1891-1980) aparece quase sempre em segundo plano. Uma injustiça. Comprova seu mérito o apreço que o escritor Oswald de Andrade (1890-1954), um dos organizadores da Semana, tinha por ele, a ponto de trocar um dos seus terrenos em São Paulo por uma obra do artista, que convidou para integrar o festival modernista realizado no Municipal em fevereiro de 22. Maria Alice Milliet, curadora da exposição Desafios da Modernidade – Família Gomide-Graz nas Décadas de 1920 e 1930, que será inaugurada nesta terça, 25, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), não só resgata o nome de John Graz na mostra como o de sua mulher, Regina Gomide Graz (1897-1973), e o do irmão dela, Antonio Gomide (1895-1967).
Os dois últimos não participaram da Semana de 22. Havia uma discussão a respeito, pois muitos diziam que Regina participara, até que a crítica Aracy Amaral perguntou a ela – e a resposta foi um definitivo “não”. Seja como for, agora é a hora e a vez de Regina ter seu talento reconhecido, reforçando a percepção do criador do Masp, Pietro Maria Bardi, de que se tratava de uma grande artista, eclipsada por uma sociedade chauvinista e por viver numa cidade provinciana e avessa à modernidade, como atestam as vaias que os modernistas receberam no Teatro Municipal em 1922.
A exposição do MAM da família Gomide-Graz vem acompanhada de uma pequena mostra do talento de Di Cavalcanti, que também participou da Semana de 22, na biblioteca do museu. Há, claro, evidentes diferenças entre Di e a família Gomide-Graz, formada pela cultura europeia. Eles trouxeram para o Brasil o que aprenderam com os cubistas e a estética do art déco que dominou a Europa nos anos 1920 e 1930. Mas tentaram, de um modo muito peculiar, se adaptar à cultura tropical, ao incorporar – nem sempre com sucesso – a natureza e os tipos humanos brasileiros em suas pinturas, tapeçarias e até esculturas.
A natureza retratada por John Graz é a da Arcádia e da mitologia europeia, como numa grande pintura em que Pã com sua flauta posa num cenário pastoral ao lado de corças e carneiros. Outra figura mítica recorrente em seu trabalho é a de Diana, a Caçadora, como se pode ver na mostra, que traz duas das oito pinturas do artista presentes na histórica exposição da Semana de 22: Paisagem de Espanha (Puente de Ronda, 1920) e Ciprestes em Toledo (1916), requintadas telas em tons baixos e distantes da policromática revolução formal que Tarsila iria provocar com suas criaturas pantagruélicas nos anos 1920.
“John Graz, ao chegar ao Brasil, constatou a inexistência de um mercado para a arte moderna e até pensou em voltar, mas, estimulado pelo cônsul suíço, acabou por se lançar no design de interiores”, conta a curadora Maria Alice Milliet, lembrando ainda que Regina, a mulher do artista, que o conheceu quando ambos estudavam na École de Beaux Arts de Genebra, acompanhou o marido no empreendimento de projetar móveis, tapetes e panneaux para as casas dos barões de café na capital paulista.
“É impossível falar da ação pioneira da família Gomide-Graz sem mencionar a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, inaugurada em Paris em 1925, um marco na divulgação do art déco”, observa a curadora da mostra, que revela como os trabalhos de Antonio Gomide, Regina e John Graz nas décadas de 1920 e de 1930 sofreram o impacto do art déco nas artes ligadas à decoração – as ilustrações de Di Cavalcanti para as revistas da época também, mas logo ele encontraria caminho próprio, afastando-se da geometria e buscando os tipos e costumes brasileiros.
Há, entre os móveis desenhados por Graz, poltronas que trazem motivos indígenas estilizados e pinturas (o óleo Floresta Tropical, s/d) em que mistura mais espécies botânicas que as delirantes telas dos pintores viajantes – Maria Alice aponta um cacto em meio a uma profusão de plantas selváticas. Já uma tapeçaria de Regina assume seu modelo europeu sem medo: esquilos, raposas e corças se movimentam em meio a árvores coníferas das regiões temperadas da Europa. Apesar disso, Regina foi pioneira e pesquisou tecelagens indígenas do Alto Amazonas, introduzindo esses padrões em suas tapeçarias. “Mas observe, há tapetes dela que são geometrizados e atestam sua proximidade da abstração e da Bauhaus, como algumas pinturas de seu irmão Antonio Gomide”, aponta Milliet.
Em sua volta à Europa, após a morte do pai, Antonio, diz ela, “buscou diversificar seu aprendizado e, ao mesmo tempo, encontrar meios de se sustentar, o que o levou da Suíça para Paris”. Em 1924, inúmeros modernistas brasileiros encontraram-se em Paris, cita a curadora: Tarsila e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti. John Graz e Victor Brecheret eram exceções como profissionais com formação na parte de artes visuais da Semana de 22. Faltava uma exposição como a do MAM para reconhecer o valor de um pintor como o suíço John Graz e a contribuição que Regina Gomide Graz e Antonio Gomide deram à modernidade brasileira.
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