Valeu a espera. A Bienal do Whitney Museum of American Art, inaugurada em Manhattan, em março, pulou um ano com a mudança do museu, em 2015, para o sul da ilha e faz farto uso do expansivo prédio projetado pelo arquiteto Renzo Piano, à beira do Rio Hudson.
As bienais do Whitney são alvos habituais de controvérsia, escárnio ou, às vezes, fastio. A última, em 2014, era uma colcha de retalhos com três curadores convidados, cada um ocupando um andar. A nova Bienal foi concebida por dois jovens, Mia Locks e Christopher Lew, e o entrosamento curatorial é evidente. Abriga 63 artistas, todos vivos, e não necessariamente celebridades.
Cerca de metade é formada por mulheres ou não brancos. A mostra está concentradas no quinto e sexto andares, mas há obras expostas no térreo, no terraço e até fora do museu, numa escola pública.
A ansiosa espera pela nova Bienal foi muito além da curiosidade sobre o novo local. O Whitney reabriu as portas em 2015, quando começou a esquentar uma campanha presidencial que dividiu os americanos como poucas na história.
Durante um ano e meio, os curadores reuniram a produção feita na era Obama, na expectativa de que a mostra seria inaugurada sob uma mulher presidente. O resultado é uma Bienal de intenso engajamento político, que explora temas cuja urgência ganhou outro impulso. Num momento em que a Casa Branca propõe um orçamento federal dizimando verbas para saúde, educação, meio ambiente, ciência, proteção de direitos civis e financiamento das artes, o público vai encontrar a arte atacando o retrocesso que não era previsto.
Um exemplo da atualidade tópica da mostra está numa galeria dedicada à pintora mexicana Aliza Nisenbaum. Ela vive em Nova York há dez anos e tem contato com imigrantes latinos sem documentos, para quem deu aulas de inglês através da história da arte. Eles estão representados em grupos em pinturas a óleo de cores vivas. Nisenbaum, que só pinta com modelos vivos, diz ao Estado que se interessa pela ética da troca entre o artista e o modelo, uma “troca de confiança em que ambos se revelam”. A artista observa que o clima de medo da onda de deportações é palpável na comunidade latina que frequenta.
Numa conversa com o Estado, a dupla de curadores menciona a fartura de comentário social, mas esta Bienal não martela o visitante com lições didáticas. Há obras que tocam nos principais focos de debate no país. Violência policial, discriminação racial, sexualidade, identidade de gênero, desigualdade e meio ambiente.
A parede onde foi instalado o vídeo Real Violence (Violência Real), de Jordan Wolfson, exibe uma advertência: o trabalho só pode ser visto por maiores de 17 anos. Os headsets de realidade virtual levam o visitante a testemunhar um assalto brutal numa área urbana indeterminada, em que a vítima olha para a câmera. É uma experiência dolorosa.
Enquanto o Congresso republicano vai dizimando as medidas de proteção ao meio ambiente da era Obama, o artista John Kessler contribui com uma instalação móvel sobre o efeito do aquecimento global e a elevação do nível dos oceanos.
Outro mexicano transplantado para o Brooklyn, Raúl das Nieves, instalou um imenso falso vitral ao longo de uma janela do museu feito de folhas de acetato, num efeito quase barroco e completado por esculturas figurativas que usam contas e retalhos.
Na vertiginosa The Meat Grinder’s Iron Clothes (As Roupas de Ferro do Moedor de Carne), Samara Golden usou espelhos que transportam o visitante para interiores superpostos que evocam desolação.
Os curadores têm sido elogiados por montar uma mostra que examina o papel da tecnologia sem afetação gratuita. Christopher Lew diz que eles exploraram mais ideias do que os meios usados nas obras.
O resultado é uma Bienal que revela a um público maior não só as preocupações, mas também o vigor de uma nova geração de artistas que emergiu nos Estados Unidos.
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