Até hoje, 30 anos depois, Carlito Carvalhosa, Nuno Ramos, Fábio Miguez, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade identificam certo “espírito” da Casa 7 em suas obras. No ateliê coletivo compartilhado por eles entre 1982 e 1985 – a casa de número 7 alugada da família de Andrade na Vila Judith da Rua Cristiano Viana, no bairro de Pinheiros, em São Paulo –, os artistas experimentaram a intensidade e a velocidade da pintura, mas, principalmente, deram de encontro com os paradoxos, como pontua Carvalhosa. Nem todos continuaram estritamente pintores, mas desde lá ficou bem claro para eles que o embate com a superfície de uma criação – uma tela, o papel kraft ou qualquer outro material – já seria a constatação de um “lugar de conflito”.
A exposição Casa 7 no Pivô, que será inaugurada neste sábado, 13, traz de volta, assim, a discussão sobre uma experiência já considerada histórica na arte brasileira. Ao destacar dois anos decisivos, 1984 e 1985, para aqueles então jovens artistas, amigos do Colégio Equipe influenciados pela transvanguarda e pelo pintor Philip Guston (1913-1980), a mostra, com curadoria de Eduardo Ortega, resgata o debate de forma pontual e, principalmente, possibilita que o público veja obras raramente expostas. “Quem tem menos de 40 anos não viu Casa 7”, diz o curador. “A ideia era justamente pegar essa coisa juvenil que tem nos trabalhos e mostrá-los no seu ápice.”
Os anos de 1984 e 1985 foram importantes para os integrantes da Casa 7 porque referem-se, respectivamente, às exposições que fizeram no Museu de Arte Contemporânea da USP e no Museu de Arte Moderna do Rio e à participação na polêmica Grande Tela da 18.ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Sheila Leirner.
Na mostra, cada um dos cinco artistas está representado por um painel – como eram chamadas suas pinturas realizadas com esmalte sintético (“tinta para porta comprada em loja de material de construção”, explica Monteiro) sobre papel kraft – e por um óleo sobre tela criado para aquela Bienal. “Depois, em 86, a gente já se abriu pra caramba, começamos a ver outras referências, mudou completamente o quadro”, conta Fábio Miguez. A Casa 7, que também foi o ateliê de Antonio Malta até 1983, teve, assim, um “fim natural”, lembra Rodrigo Andrade – até a casa de vila chegar a ser, de fato, vendida.
Os anos 1980, afirma Carlito Carvalhosa, não se encaixam numa linha narrativa que coloca uma “matriz neoconcreta” na arte brasileira. “Começamos como pintores, mas a própria pintura daquela época continha um paradoxo muito claro pois ela vinha depois de um período de arte mais conceitual. Então, aquela volta era para uma pintura que era meio abstrata, mas não era, meio figurativa, mas não era, feita com uma tinta vagabunda.” Naquele momento, importante destacar, o Brasil, ainda em ditadura, iniciava sua abertura política.
“A gente queria pintar grande”, diz Monteiro, contando que foi ideia de Rodrigo Andrade usar kraft comprado em papelaria. “A grande experiência da Casa 7 foi com os painéis, porque isso deu uma velocidade enorme para o nosso processo”, completa Miguez.
O clima no ateliê, lembram, era também de intensa discussão. “A gente ficava um pouco isolado. Tinha criticismo e autocriticismo muito forte entre nós. Era uma coisa meio tensa, inclusive, até cansativa”, afirma Rodrigo Andrade. Em São Paulo, contam, havia o grupo da Casa 7 e o “grupo da Leda (Catunda)” – ou da Faap, no qual está incluído Leonilson. O mesmo sentido é relacionado à “Geração 80”. “A gente achava as pinturas dos outros alegrinha demais”, diz Andrade.
A participação da Casa 7 na 18.ª Bienal de São Paulo, que marca o uso da tinta a óleo em suas obras, também foi uma passagem marcante na carreira dos artistas, hoje, nomes consagrados. É de certa forma uma unanimidade entre eles a má recordação da mostra, que colocou lado a lado as pinturas de artistas nacionais e estrangeiros em um corredor. “Quando fomos ver, tinha aquela tumba”, lembra Miguez. “A Sheila (Leirner) falava às vezes que aquele corredor era uma homenagem à pintura e, às vezes, uma crítica”, opina.
“Quando alguém diz que o meu ‘discurso era ambíguo’, penso que a pessoa só pode estar falando da própria pintura que me levou a criar um espaço e uma análise análogos ao espaço real onde ela existia e se desenvolvia na época”, afirma a curadora. “Quando se elimina a hierarquia e os escalões de ‘importância’ entre jovens iniciantes e figurões, livramos o espectador do parti pris que o impede de fruir a obra com verdade”, continua Sheila. “Era um negócio meio mórbido, mas não tinha como ficar indiferente. A gente ficou bem ali, a nossa pintura era melhor que a dos alemães”, define Andrade.
DEPOIMENTO:
Cao Hamburger / CINEASTA
"O grupo era como uma banda de rock"’
“Meus filhos cresceram olhando para o painel do Paulo Monteiro que está na exposição. Essa pintura fica na sala de casa desde sempre, é da coleção da minha mulher, que a comprou naquela época”, diz Cao Hamburger sobre a obra de 1984. Na verdade, o cineasta participa de Casa 7 no Pivô mais ainda – será exibido permanentemente na mostra um filme de animação realizado por ele no início dos anos 1980. Trata-se de uma versão sem som do trabalho que o diretor criou a pedido dos integrantes do ateliê, seus colegas do Colégio Equipe. “Uma parte dos meus amigos formou o Titãs e a outra, a Casa 7. Tive de me virar ali no meio já que não criei uma banda de cinema”, brinca.
SERVIÇO:
CASA 7. Pivô.Avenida Ipiranga, 200, Edifício Copan, loja 54, tel. 3255- 8703. 3ª a 6ª, 13 h/20 h, sáb., 13h/19h. Grátis. Até 29/8. Abertura no sábado, às 16 h.
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