Do mais trivial e necessário dos atos, comer. Da ancestralidade da arte floral japonesa até as últimas utopias franqueadas pelo mundo digital, capazes, por exemplo, de possibilitar criar um objeto tendo como parceira a inteligência artificial. O planeta design assentou suas bases em São Paulo, na semana passada, durante a última edição da DW! SP! Sete dias dedicados à discussão da cultura do design, em suas múltiplas expressões, da qual alguns eventos, por sua pertinência e atualidade, tiveram suas datas de realização prorrogadas. E que, por seu conteúdo – e relevância –, merecem um olhar mais atento.
Tal qual em uma embalagem pronta para ser expedida, produtos criteriosamente selecionados parecem prontos para serem devorados. Não que, em boa medida, eles não falem ao paladar. Mas, ao contrário de pratos, no entanto, são cadeiras, poltronas e luminárias. Todos eles inspirados pelo mundo da alimentação ou que, uma vez concluídos, acabaram por atiçar o apetite. “A ideia foi explorar o vínculo estético, mas também nossa relação com esses objetos deliciosos”, afirma Alex Colantonio, um dos curadores de Design para Ver e Comer, mostra em cartaz no Shopping Lar Center até este domingo, 26.
Entre o cardápio à disposição dos visitantes, figura, por exemplo, a icônica Bowl Chair, móvel que a arquiteta Lina Bo Bardi desenhou em 1951, com base em uma tigela caiçara e a metade de uma laranja. E também a poltrona Vermelho, dos irmãos Fernando e Humberto Campana, um clássico de 1993, que, sem muito esforço, remete a uma suculenta macarronada. E ainda, de safra mais recente, a poltrona Bodocongó, feita de colheres de pau amarradas por cordas de aço, como em um bordado, assinada por Sergio Matos, que tem seu nome em homenagem ao bairro onde o designer estudou.
Ao lado do sócio e também curador André Rodrigues, com quem forma o Decornautas, duo que tem se especializado em exposições conceituais de design, Colantonio – que também é cozinheiro nas horas vagas – acredita que dificilmente algum visitante ficará indiferente à mostra. “Trata-se de proposta absolutamente sensorial, capaz de agradar ao mais exigente dos paladares”, brinca ele, que destaca ainda, entre tantas iguarias, uma enorme nuvem de talheres suspensos e um paredão de bananas presas à parede por meio de esparadrapos.
Indo do mundo real dos alimentos para o universo virtual da inteligência artificial, que tem ultrapassado o plano da ficção científica para se integrar à nossa vida, como lidar com questões como criação e originalidade? E, mais ainda: como olhar para a própria IA? Como ameaça ou aliada? Eis algumas das questões suscitadas por (IM) POSSÍVEIS: mostra que conta com a curadoria de Winnie Bastian e da designer Camila Fix, apresentada como desafio para se pensar o design na era da inteligência artificial, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, também até amanhã.
“O contexto ainda é novo e há mais perguntas que respostas”, admite Winnie. “Mas é fundamental refletir e discutir sobre elas desde já”, alerta a curadora, que convidou um grupo de designers para explorar o programa Mid Journey – ferramenta digital de arte generativa, baseada em IA – e, juntos, criarem objetos híbridos, capazes de atuar no universo da casa e do trabalho, para facilitar, ou aprimorar, nossas vidas cotidianas.
Quando a mãe acalenta o filho, quem acalenta a mãe? Foi essa a questão que motivou os designers mineiros do Lápis Raro, um dos estúdios presentes à mostra, a criar um móvel pensado para mulheres que, após o parto, são invadidas por ondas de alegria e medo. Mesmo diante do pouco acolhimento de todos que, comumente, voltam toda a atenção para o bebê. “Pensando nelas, o coletivo criou a Cadeira-Colo. Um híbrido de poltrona de amamentação e cápsula de relaxamento que dá à mãe, idealmente, o mesmo conforto físico e emocional que ela dá ao filho.”
“As formas orgânicas mimetizam o útero feminino, envolvendo a mulher como um casulo. Enquanto isso, caixas de som acopladas ao assento reproduzem sons do útero, além de outros ruídos que induzem ao relaxamento. E, no encosto, pontos de vibração elétrica aliviam as dores lombares tão comuns no puerpério”, explica Camila. Outro projeto curioso, segundo ela, é um colar que funciona como galheteiro, com três cápsulas de vidro para armazenar (e transportar) diversos temperos. “Fora do pescoço, ele pode ser levado à mesa, de forma que cada um possa temperar suas refeições de acordo com suas preferências.”
“Se alguém preferir preencher as cápsulas apenas com sal e pimenta, tanto melhor. O importante é que ele cumpra bem sua função. Tanto funcional como ornamental”, destaca Winnie, que vê o que foi realizado pelo PS Arquitetos como um exercício de preparação necessário para uma realidade que já bate à nossa porta. “Em suma, trata-se de uma série de objetos radicalmente híbridos. Não só em termos de função, mas também por serem projetados de forma híbrida (homem + máquina). Espero que sirvam de inspiração para visualizarmos e pensarmos sobre nosso futuro próximo”, sintetiza.
Enquanto a vegetação brasileira é exuberante, agressiva até, em sua magnitude e diversidade, a delicadeza é uma das principais características das plantas que compõem a flora japonesa. É a partir dessas diferenças e contradições que o artista e mestre em iquebana Atsunobu Katagiri criou a instalação botânica Essência, Jardim Interior, que ocupa o andar térreo da Japan House São Paulo até 30 de abril. Um convite à calma e contemplação, em plena Avenida Paulista, dando a oportunidade para que os visitantes possam refletir sobre a presença da natureza em nossas vidas.
Por se tratar de uma instalação viva, ao longo de suas oito semanas de realização será possível constatar os diferentes ciclos de vida de cada planta. Observar espécies que se desenvolvem e outras que, naturalmente, chegam ao seu fim. Mais do que trazer um pouco da floresta para dentro da cidade, o designer floral, que expõe pela primeira vez na América Latina, quer homenagear a força regeneradora da natureza por meio desse trabalho. Segundo ele, a respeitando, mais que a domando. Um recado que, em tempo de desequilíbrios climáticos tão acentuados como o atual, é mais que bem-vindo.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.