DALLAS (AP) – Depois da Segunda Guerra Mundial, especialistas em arte do exército americano decidiram encontrar e devolver milhões de obras roubadas pelos nazistas. Entre esses agentes conhecidos como Monuments Men [algo como “homens de monumentos”] se encontrava Mary Regan Quessenberry, que, a partir da sua base em Berlim, viajou para examinar obras roubadas, rastreou casos de saques e investigou negociantes de arte suspeitos.
Décadas depois, Quessenberry e as outras integrantes do grupo têm seu trabalho reconhecido.
Nos últimos anos, a fundação com sede em Dallas que homenageia o grupo atualizou seu nome para reconhecer as contribuições dessas mulheres, destacou o trabalho delas em uma nova exposição em um museu nacional e deverá publicar pela primeira vez em inglês um livro de memórias no qual uma das mulheres descreve como espionou nazistas enquanto trabalhava em um museu de Paris.
“Os Monuments Men não eram todos homens”, disse Anna Bottinelli, presidente da Monuments Men and Women Foundation.
A seção de Monumentos, Belas Artes e Arquivos dos exércitos Aliados contou com 27 mulheres e cerca de 320 homens durante e logo após a Segunda Guerra Mundial. O exército americano recentemente ressuscitou o conceito, com a primeira nova turma de oficiais de monumentos se formando em 2022.
Durante as batalhas da Segunda Guerra Mundial, foram os homens que protegeram as obras de arte e os tesouros arquitetônicos. As mulheres entraram em cena depois da guerra, quando o foco se voltou para a restituição.
É uma mudança de foco que também a fundação fez desde que Robert Edsel a fundou, quase vinte anos atrás, com foco nos anos de guerra. Edsel popularizou os oficiais de monumentos escrevendo livros como Caçadores de obras-primas: Salvando a arte ocidental da pilhagem nazista, que em 2014 foi transformado no filme Caçadores de Obras-Primas, estrelado por George Clooney e Matt Damon.
Com o passar dos anos, a fundação se dedicou cada vez mais à restituição, desde a ajuda na devolução de obras tomadas durante a guerra até à produção de um baralho de cartas com obras ainda desaparecidas.
“À medida que nossa missão evoluiu e nosso trabalho se desenvolveu, o movimento mais natural foi mesmo nos concentrar nos esforços do pós-guerra e, como resultado, nas mulheres”, disse Bottinelli.
Exposição resgata o trabalho das mulheres
Foi inaugurada em novembro uma exposição permanente sobre os oficiais de monumentos dentro do Museu Nacional da Segunda Guerra Mundial, em Nova Orleans, nos Estados Unidos. A Galeria Monuments Men and Women inclui a recriação de uma mina de sal onde os oficiais encontraram arte roubada.
A exposição também apresenta a história de Quessenberry, que se alistou no que veio a ser a Corporação Feminina do Exército quando os Estados Unidos entraram na guerra. Depois da vitória dos Aliados na Europa, ela soube que o exército estava procurando especialistas em arte. Quessenberry, que tinha mestrado em história da arte, aproveitou a oportunidade.
Quando chegou a Berlim, ela foi recebida pelo tenente-coronel Mason Hammond, professor de clássicos da Universidade de Harvard que ela conhecia de seus estudos no Radcliffe College, que mais tarde se fundiu com Harvard.
“Ele abriu a porta, reconheceu-a, abraçou-a e disse: ‘Mary, graças a Deus você está aqui’”, disse Edsel.
Ela retornou aos Estados Unidos como major em 1948.
Ken Scott, um amigo de Quessenberry, disse que ela descreveu seu período como oficial de monumentos como “a época mais empolgante de sua vida”. Ele disse que ela ficou “feliz” quando Edsel viajou para Massachusetts para entrevistá-la alguns anos antes de sua morte em 2010, aos 94 anos.
“Ela era uma pessoa muito espirituosa, cheia de histórias para contar”, disse Edsel.
Garantir que as mulheres recebessem o reconhecimento que mereciam era importante para Quessenberry. “Ela era muito franca ao falar sobre isso”, disse Scott.
Nos próximos meses, a fundação vai publicar as memórias de Rose Valland. Em The Art Front, publicado originalmente em francês no ano de 1961, Valland, especialista em arte francesa que se tornou oficial de monumentos, conta como rastreou secretamente para onde os nazistas enviaram as obras que eles haviam roubado do museu de Paris onde ela trabalhava.
“Foi graças às suas anotações e a toda a sua espionagem que, em 1944, quando os Aliados entraram em Paris, eles conseguiram rastrear onde e com quem estavam as obras”, disse Bottinelli.
Valland, que inspirou o papel de Cate Blanchett no filme Caçadores de Obras-Primas, morreu aos 81 anos, em 1980.
Edsel disse que o último oficial de monumentos da Segunda Guerra Mundial foi uma mulher. Depois que as operações foram encerradas por volta de 1950, Ardelia Hall continuou a missão até o início da década de 1960 dentro do Departamento de Estado, mantendo uma lista de obras ainda desaparecidas e instando museus e negociantes de arte a ficarem atentos. A capitã Edith Standen, enquanto estava na Alemanha do pós-guerra, teve o cuidado de registrar os nomes de todos os colegas que trabalhavam com arte, disse ele.
A primeira turma de novos oficiais de monumentos do exército, chamados de oficiais de patrimônio e preservação, se formou em 2022.
Entre eles estava a capitã Jessica Wagner, que trabalhou em museus nos Estados Unidos. Ela disse que fazer parte da nova versão do grupo que estudou quando fazia mestrado “é meio surreal”.
“Você fica se perguntando: será que eu estaria disposta a fazer tudo isso? Acho que a resposta é sim”, disse Wagner.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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