Em agosto de 1974, o fotógrafo norte-americano Nicholas Nixon, hoje com 74 anos, fotografou as irmãs Brown pela primeira vez, durante uma reunião familiar. Não gostou do resultado. Em julho de 1975, tentou novamente: ficou satisfeito. Vem repetindo, desde então, o mesmo ritual, registrando a mesma foto com as quatro irmãs – uma delas sua esposa, Beverly Brown (Bebe).
A partir do dia 22, o público brasileiro terá a oportunidade de conhecer essa e outras séries do fotógrafo na exposição do Instituto Tomie Ohtake organizada pelo curador-chefe de fotografia da Fundação Mapfre, Carlos Gollonet. Além da série das irmãs, ele selecionou autorretratos, uma outra série dedicada a asilos e paisagens. Sobre a mostra, Nixon falou ao Estadão, exprimindo seu orgulho de expor em São Paulo e sua admiração por fotógrafos brasileiros como Cláudia Andujar.
Embora não se considere um fotógrafo político como seu modelo Walker Evans (1903-1975), que retratou a condição dos agricultores norte-americanos durante a Grande Depressão dos anos 1930, também Nixon tem ajudado pessoas em condições desfavoráveis com suas fotos – em 1988, ele realizou uma série chocante da agonia das vítimas que contraíram o vírus da aids, numa época em que o estigma pesava sobre elas, em particular a comunidade gay. Seu olhar se dirigiu igualmente aos velhos e à população negra de baixa renda. Detalhe: todas essas fotos foram feitas com uma câmera de grande formato 8 x 10, que permite uma ampla variação da distância focal e uma nitidez que leva o espectador a ver o objeto fotografado nos mínimos detalhes. Walker Evans usava uma delas.
Foi isso que fez Nixon optar pela histórica 8 x 10. “Vi uma série que Evans fez em 1932 e decidi que esse seria meu caminho, embora não me considere um fotógrafo engajado.” No entanto, assume que seu interesse pelos deserdados, “puramente humanista”, pode, sim, ser considerado um trabalho político – como o dos pacientes com aids. “Nesse sentido, fotógrafos como Cláudia Andujar ou a mexicana Graciela Iturbide foram minhas grandes referências, pois sempre pensei nas culturas latinas como guardiãs de um conhecimento antigo que não chegou à cultura americana e que passa pela humildade e, talvez, por um certo sentido de magia.”
A série das irmãs Brown é um bom exemplo da primeira palavra. O tempo é comprimido e, de repente, a imagem daquele quarteto de mulheres jovens e lindas dá lugar a quatro mulheres maduras que trazem as marcas da idade e do peso existencial. É uma série hipnótica, em que o espectador se vê refletido em Heather, Mimi, Bebe e Laurie Brown, sempre retratadas nessa ordem, da esquerda para a direita. Nixon diz que a ideia foi sua: “A consistência do formato, a ordem e a clareza do propósito representam muito para mim, o que me fez decidir pela mesma posição em todos esses anos”.
À medida que os anos passaram, as irmãs ficaram mais próximas. A afetividade entre elas parece ter crescido. Pode ter sido uma estratégia do fotógrafo – quanto mais perto uma da outra, maior e melhor seus rostos surgem diante da câmera –, mas o fato é que a velhice comumente aproxima os irmãos, talvez pela dependência mútua e um certo entendimento do mundo. Bebe, a mulher de Nixon, é assistente social e trabalha com pacientes com câncer. Um pouco parecida na juventude com a atriz Liv Ullman, a mulher do cineasta Ingmar Bergman, ela é a que mais marcas de sofrimento traz no rosto. Nixon esteve muito doente há alguns anos e fotografou idosos morrendo em asilos. Ele e Bebe, portanto, sabem o que a proximidade da morte significa.
O grande formato da câmera de Nixon não permite “roubar” um instantâneo, o que significa uma limitação e, ao mesmo tempo, sela um acordo tácito entre fotógrafo e fotografado. Há, enfim, algo de solene nessa câmera. Há quase três anos, em março de 2018, a ausência desse acordo quase provocou um escândalo. Como professor, ele foi acusado de conduta imprópria e teve de deixar o Massachusetts College of Art and Design, onde dava aulas. Um mês depois, o Institute of Contemporary Art de Boston fechou uma exposição sua. O motivo: o jornal Boston Globe publicou que Nixon convidou alunas para posar nuas, acusando o fotógrafo de assédio sexual. “Havia uma discordância sobre meu método de ensino e essa matéria no Boston Globe dizia que eu usava linguagem inadequada durante as aulas e propunha tarefas de cunho sexual, passando para os leitores a ideia de que eu sou uma má pessoa.” Nixon nega as acusações e garante que ele mesmo pediu para que a exposição fosse fechada. “Não queria ficar no meio desse circo midiático”, conclui.
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