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Panorama da Arte Brasileira aposta na temperatura máxima e na ideia de transformação; veja destaques

Exposição que ganhou o subtítulo de ‘Mil Graus’, com entrada gratuita até janeiro, no MAC, reúne artistas de todo o País, além de nomes como o de Dona Romana, líder espiritual da Serra da Natividade

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Foto do author Thaís Ferraz

De obras produzidas a partir do barro, das pedras ou do algodão a vídeo-performances e estruturas digitais, o 38º Panorama da Arte Brasileira apresenta, a partir deste sábado, 5, uma seleção de peças reunidas em torno de um conceito comum: o calor-limite, estado físico ou metafísico em que tudo se transforma. Sob o mote Mil Graus, em referência à gíria que determina situações incríveis ou estados de tensão absoluta, a mostra bianual reúne 24 artistas e coletivos de diferentes estados, técnicas e origens que dialogam, de alguma forma, com conceitos como o fogo, o calor e a transmutação.

Com curadoria de Germano Dushá, Thiago de Paula Souza e Ariana Nuala, a exposição, tradicionalmente realizada no Museu de Arte Moderna (MAM), acontecerá no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. A mudança de local acontece devido à reforma da marquise do Parque Ibirapuera, onde o MAM está sediado.

Obra 'Carta marinha com salamandra', 2024, de Paulo Nimer Pjota em exposição no 38º Panorama da Arte Brasileira: Mil Graus Foto: Gui Gomes/ Divulgação

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A lista traz nomes como Solange Pessoa, Lucas Arruda, Gabriel Massan e Joseca Mokahesi Yanomami, que acaba de expor suas obras na Bienal de Veneza, além de grupos como o MEXA (SP), que fará uma apresentação única da peça A Última Ceia, ainda inédita no Brasil. Três não-artistas também foram convidados para a mostra: Dona Romana, líder espiritual da Serra da Natividade, Tropa do Gurilouko, grupo de carnaval de Campo Grande, no Rio de Janeiro, e o povo Akroá Gamella, que participa sob o nome Rop Cateh, em colaboração com os artistas Gê Viana e Thiago Martins de Melo.

“Há muitas edições, sabemos que é impossível fazer um retrato da arte brasileira, mesmo que provisório. Então buscamos encontrar um ponto em comum entre práticas contemporâneas e chegamos no calor e nessa imagem-título Mil Graus”, explica Thiago de Paula Souza, um dos curadores da edição.

O conceito forneceu leituras importantes. “Surgiram as ideias de temperatura, fogo, também da crise climática, à qual somos sensíveis – mas não queríamos ficar reféns disso. Logo entendemos que, muito mais do que o calor, o que nos interessava era a transformação”, explica Germano Dushá, também curador. “No limite, o elemento que transforma é o fogo. E nós estamos muito interessados nessa energia transformadora, nessa situação que impõe a transformação como um destino imediato e incontornável.”

Obras

Além da relação com o calor, os artistas que compõem o catálogo do Panorama têm outras características em comum. São vivos, atuantes e ainda não participaram nem da Bienal, nem do Panorama.

Obra de Solange Pessoa (Ferros, MG, Brasil [Brazil], 1961)em exposição no 38º Panorama da Arte Brasileira: Mil Graus Foto: Estúdio em Obra/ Divulgação

É o caso de Solange Pessoa, um dos nomes mais conhecidos da lista. No Panorama, a artista mineira apresenta uma constelação de esculturas de pedra-sabão e um conjunto de peças de cerâmica e lã que remetem a fragmentos de rochas escuras. Lucas Arruda, conhecido por suas paisagens etéreas, exibe uma série de pinturas entre o real e o abstrato. Gabriel Massan, jovem artista que assina um cenário da turnê de Madonna, traz um desdobramento de Baile do Terror (2022-2024), obra que faz paralelos entre a escalada de tensões em todo o mundo e a guerra às drogas no eixo Rio-São Paulo.

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O paulista Paulo Nimer Pjota traz uma peça inédita, dividida em cinco telas, em que seres fantásticos e natureza morta se misturam. Rebeca Carapiá apresenta uma obra comissionada para o Panorama.

Melissa de Oliveira (Morro do Dendê, RJ, Brasil [Brazil], 2000), Aquecimento, 2024 em exposição no 38º Panorama da Arte Brasileira: Mil Graus. Foto: 38º Panorama da Arte Brasileira/ Divulgação

A lista passa, ainda, por nomes como Mestre Nado, que exibe três esculturas de grande escala, e Maria Lira Marques, que apresenta desenhos sobre pedras. Marlene Almeida comparece com duas obras dinâmicas: a instalação Derrame (2024) e a peça Tempo Voraz II (2012).

A decisão de trabalhar com artistas vivos, atuantes e sem passagem por Bienal e Panorama partiu de um motivo mais metodológico do que conceitual, explica Thiago. “Existem muitos artistas que, de uma maneira ou outra, poderiam responder ao Mil Graus, principalmente dentro da nossa geração. Mas havia a necessidade de criar um filtro”, diz. Ao mesmo tempo, explica, havia uma preocupação de representar a densidade do cenário brasileiro. “Em uma produção contemporânea tão pulsante, é interessante não repetir nomes, ampliar e complexificar a discussão. Não é uma busca vulgar pelo ‘novo’, mas uma tentativa de refrescar olhares, arriscar, desenvolver um projeto o mais experimental possível dentro das condições institucionais e estruturais.”

Germano Dushá, Thiago de Paula Souza e Ariana Nuala formam a equipe curatorial do 38º Panorama da Arte Brasileira: Mil graus Foto: Bruno Leão/ Estúdio em Obra

Para Ariana Nuala, curadora adjunta, o próprio conceito abre espaço para extrapolações. “Como qualquer gíria, ‘Mil Graus’ tem uma nuance. Nós não estamos presos a formalidades, convenções, não estamos preocupados em denominar, categorizar elementos”, diz. “Esse exercício é, talvez, sobre entender um grau de práticas que são intensas, e intensas em diferentes aspectos – às vezes politicamente, às vezes em uma perspectiva de festa. É uma premissa de trazer essa complexidade ligada à espiritualidade, à matéria, às dimensões políticas, sociais e ecológicas.”

Para Thiago, o Panorama foi capaz de criar uma verdadeira amálgama entre artistas muito distintos. “Nós temos pessoas de todas as regiões, idades, mídias, contextos, práticas, estéticas e conceitos. Criamos uma espécie de sistema energético.”

Esses encontros e diálogos se dão, inclusive, em termos físicos. Na exposição, Paulo Pires, artista que trabalha com pedras, é apresentado em um contexto de proximidade com mestre Nado, ceramista de Olinda, e Maria Lira Marques, compondo uma mesma paisagem – ao fundo, uma imagem enorme do sítio espiritual de dona Romana em Tocantins.

Sítio espiritual de dona Romana em Natividade, TO. Foto: Emerson Silva/ Divulgação

Outro paralelo traçado pelos curadores é entre Laís Amaral (RJ) e Marlene Almeida (PB). “Laís é carioca, tem 34 anos, tem muito daquela coisa da pintura quase clássica e Marlene é uma pesquisadora de 82 anos que mistura mineralogia, geografia, geologia e filosofia”, explica Dushá. “Elas chegam em lugares muito próximos, mas por vias muito distintas.”

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Jayme Figura, único artista não vivo da lista – ele faleceu durante a concepção do panorama – é apresentado em proximidade a Antonio Tarsis, de quem foi uma espécie de mentor informal. “Quando Tarsis começou a se entender como artista, parte do seu processo de aprendizagem passou a ser caminhar pelo centro de Salvador. Ele via muito o Jayme nas ruas, e por isso optamos por aproximar os trabalhos”, explica Dushá. “Todos esses diálogos são muito intensos e muito distintos. Era exatamente o que queríamos: são esses atritos, esses encontros que nos interessam. São ecos.”

38º Panorama da Arte Brasileira: Mil Graus

  • Curadoria: Germano Dushá, Thiago de Paula Souza
  • Curadoria-adjunta: Ariana Nuala
  • Data: 5/10 a 26/1. 3ª a domingo, das 10h às 21h
  • Local: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), térreo e 3º andar - Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301
  • Gratuito
  • Mais informações em: mam.org.br/38panorama
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