Nos últimos anos a pintura da paulista Marina Rheingantz tem despertado a atenção de colecionadores asiáticos. Para ser exato, desde 2012, quando expôs em Xangai, na China, e, mais recentemente, neste ano, quando a coleção Taguchi, que tem obras suas, foi exposta no Japão. Curiosamente, a paisagem de Marina não tem nada que revele uma relação harmoniosa com o mundo natural, como na idealizada visão dos artistas chineses. Embora sutil, ela pode sugerir um violento mar de lama que sai arrastando a paisagem montanha abaixo, como em Mariana ou Brumadinho, fenômeno evocado de forma oblíqua numa tela como Rabetão de Ouro (2019), em que a matéria liquefeita do barro constitui o próprio tema da pintura.
A obra integra um conjunto de quatro gigantescas telas (uma delas com 5,5 metros de largura) agrupadas na exposição Todo Mar Tem um Rio, que será aberta neste sábado, dia 1, às 15 horas, no Galpão da Fortes D’Aloia & Gabriel (Rua James Holland, 71, Barra Funda, tel. 3392-3942). Paralelamente, no Rio, segue até 15 de junho a mostra Rebote, na Carpintaria (Rua Jardim Botânico, 971, Rio), que reúne pinturas de Marina e fotografias de Mauro Restiffe, entre elas uma série em preto e branco feita na vila de Santo Sospir em 2018, que registra os afrescos assinados pelo poeta e cineasta Jean Cocteau em St. Jean-Cap-Ferrat.
Cocteau inspirou-se na mitologia grega e aludiu à paisagem da Côte d’Azur nesses afrescos. Por coincidência, a temática dessas obras é predominante nas pinturas do norte-americano Cy Twombly (1928-2011) citado pela crítica Roberta Smith, editora de arte do New York Times, a respeito de uma exposição da brasileira na galeria Bortolami de Nova York, em 2018 – ela definiu Marina como “uma estreia promissora que recalibra o trabalho de Twombly e Anselm Kiefer”. Para a crítica, a exemplo dos dois citados pintores, a paisagem de Marina Rheingantz é igualmente distópica, feita de ruínas, embora a brasileira se distancie deles ao evitar a “bravura” do americano e do alemão, trocando a força intensa pela delicadeza.
Na exposição do Rio há, inclusive, exemplos de bordados que inspiraram as gulliverianas paisagens de Marina, feitas com pincéis liliputianos. Ela reafirma essa correspondência estreita entre as duas técnicas – e, por consequência, com a tapeçaria, em particular a marroquina – ao apontar a tela que dá nome à exposição paulistana (Todo Mar Tem um Rio) como exemplo. De fato, o que ela sugere é uma paisagem líquida feita de fragmentos, em que cada pincelada branca (os reflexos na superfície da água) corresponde a um fiapo de tapeçaria que flutua no espaço, como nas gravuras japonesas do Ukiyo-e ou nas pinturas chinesas, em que a perspectiva múltipla elimina a fronteira entre céu e terra.
Há 11 anos, quando Marina começou sua carreira, essa paisagem tendia à geometrização, como nas pinturas da série Ocean Park, do norte-americano Richard Diebenkorn (1922-1993), após seu distanciamento do expressionismo abstrato. “Passei pelo color field (campo de cor, pintura abstrata marcada por grandes áreas de uma única cor), mas não consegui criar uma pintura abstrata, caminho que me parece agora uma consequência natural”, analisa a pintora, que recentemente viajou pelo México, estudando a tapeçaria local, para concluir que essa técnica é um meio prático para atingir essa ambicionada abstração.
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