Um dos grandes pintores da geração neoexpressionista, integrante do histórico grupo Casa 7, Rodrigo Andrade, aos 55 anos, revisita a paisagem de realistas franceses como Corot e Courbet, além do holandês Ruysdael, em sua nova exposição, Duas Cavernas, aberta a partir desta quinta, dia 1.º, na Galeria Millan. E não só eles, mas também Bellini e Uccello. Ao mesmo tempo, Andrade reverencia a pintura do autodidata paulista Ranchinho, apelido de Sebastião Theodoro Paulino da Silva (1923-2003), entre tantos outros que fizeram de sua pintura um elo entre a arte erudita e a de extração popular.
Ocupando a galeria e o espaço anexo com 30 telas, Rodrigo Andrade expõe não só as paisagens como telas abstratas que evocam igualmente mestres renascentistas como Piero della Francesca (1415-1492) – uma pintura de grandes dimensões em que o branco e o vermelho vivo fazem referência ao pintor italiano, subtraindo as figuras de uma de suas telas mais conhecidas.
Fruto de uma geração – a dos anos 1980 – que teve de lutar contra a ditadura da arte conceitual (dos anos 1970) para impor sua pintura, Rodrigo Andrade, em seus 33 anos de carreira, já fez exposições nos lugares mais inusitados, inclusive numa lanchonete. Reverenciou os pintores ingênuos da Praça da República, replicando os gêneros e figuras do repertório desses artistas. E, para finalizar, consagrou-se na Bienal de São Paulo de 2010 ao expor paisagens naturalistas feitas a partir de fotografias, após experiências abstratas com formas retangulares pintadas sobre um território neutro em que se davam intensos confrontos cromáticos. “Havia uma vontade de neutralidade, mas sentia falta de alguma coisa mais autoral”, analisa.
Duas Cavernas é uma síntese de toda essa experiência. Ou, nas palavras do pintor, uma tentativa de usar o ilusionismo de outra maneira que não a de emular a linguagem fotográfica, como fez na 29.ª Bienal. Já o título da mostra, Duas Cavernas, comprova sua disposição de explorar tanto as grutas das paisagens dos pintores do século 19, que ainda exercem fascínio por sua carga alegórica, como o ilusionismo da tridimensionalidade, a partir mesmo da perspectiva isométrica do Renascimento.
Ao lado de uma caverna, por exemplo, o florentino Paolo Uccello (1397-1475) pintou o cavaleiro São Jorge lutando contra o dragão da maldade, tendo ao lado uma princesa. A “interpretação” contemporânea da saga do santo guerreiro está de modo mais explícito fixada numa pequena tela em que Rodrigo recria a pintura como um artista “brut’ – talvez como Ranchinho visse a cena. Ganha ainda uma segunda versão – mais pop, digamos – numa tela maior, no anexo da Galeria Millan, em que a princesa parece sair de uma animação. “Gosto tanto da esquematização gótica, pré-renascentista, como dos pintores pop e o que chamam de arte vulgar”, diz Rodrigo, citando o norte-americano Paul McCarthy, cujas esculturas desafiam os padrões do mito da grande arte, ao eleger personagens de Disney como modelos. Outro herói de Rodrigo é Philip Guston, que fez a ponte entre a figuração expressionista e o cartoon.
A pintura de sua geração, reconhece, oscilou entre a chamada ‘bad painting’ (caracterizada pela deformação da figura) e o neoexpressionismo de Julian Schnabel. “No Casa 7 havia uma confluência de ambições altas”, reconhece, referindo-se ao grupo formado por ele e mais Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Nuno Ramos e Paulo Monteiro, que ganhou projeção na Bienal de 1985.
Essas “ambições altas” sempre foram acompanhadas de muito esforço e estudo. Para pintar as 30 telas da exposição, Rodrigo executou aproximadamente 400 desenhos preliminares, tanto para as telas que prestam tributo aos mestres realistas do século 19 como as que fazem referência à chamada “pintura vulgar”, como a vista de um pântano ao luar. Entrar nessas cavernas, enfim, exige do espectador um espírito livre dos preconceitos, disposto a sonhar, como Neves Torres, um lírico pintor popular de Minas Gerais que faz parte de seu panteão.
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