É relativamente comum alguém ser citado como artista histórico, mas incomum que ao epíteto seja agregado outra qualificação, sedimentada pelos próprios colegas: a de “viga mestra” do concretismo brasileiro. É o caso do paulista, nascido em Santo André, Luiz Sacilotto (1924-2003), homenageado com duas mostras simultâneas, uma em São Paulo, na Galeria Almeida e Dale, Sacilotto - A Vibração da Cor, e outra em Londres, na Cecilia Brunson Gallery Projects.
A exposição paulistana, com curadoria de Denise Mattar e Gabriel Pérez-Barreiro, fica aberta até dia 23 de outubro e virá acompanhada de um livro sobre o artista com 250 reproduções e textos dos dois curadores, a ser lançado no mês que vem, na SP-Arte. A exposição londrina, aberta dia 15, também ganha um livro com textos do poeta concreto Augusto de Campos, dos curadores Denise Mattar e Gabriel Pérez-Barreiro, além de um ensaio de Pia Gottschaller, do The Courtauld Institute of Art de Londres, sobre o processo técnico de Sacilotto.
Quando se fala em histórico, em relação a Sacilotto, cabe lembrar que o pintor foi um dos signatários do Manifesto Ruptura, em 1952, que marca a origem do movimento concreto paulista, um ano após ter participado, com apenas 27 anos, da primeira edição da Bienal Internacional de São Paulo (ele participaria da segunda edição, em 1953, da sexta, em 1961, da oitava, em 1965, e da Bienal Brasil Século 20, em 1994). Outra mostra histórica da qual participou foi a 1ª Exposição de Arte Concreta, em 1957.
Apesar desse invejável currículo, Luiz Sacilotto não teve uma vida confortável. Filho de imigrantes italianos, seus pais, Thereza e Antonio, não podiam pagar uma boa escola de arte para o filho. Mesmo assim, matricularam o jovem Luiz no Instituto Profissional Masculino, na década de 1940, e, depois, na Escola Técnica Getúlio Vargas, onde se diplomou (em 1943) como mestre em pintura. Título merecido. Tanto que, em 1947, ao participar de uma coletiva de 19 pintores, na Galeria Prestes Maia, foi descoberto por Waldemar Cordeiro, que viria a ser o líder dos artistas concretos em São Paulo. Antes mesmo que a primeira Bienal trouxesse a abstração para o Brasil, em 1951, Sacilotto já realizava suas primeiras experiências no abstracionismo geométrico.
Bom retratista, ele não voltaria à figuração – em 1948, o pintor fez a passagem definitiva do expressionismo para a geometria. Meticuloso, Sacilotto, que trabalhou como desenhista no escritório do arquiteto Villanova Artigas (1915-1985), seguiria abstrato até o fim da vida, mesmo quando sua habilidade motora já estava comprometida por um acidente vascular cerebral, em 1994. Seu filho mais velho, o matemático Valter Sacilotto, acompanhando a reportagem do Estadão na exposição do pai, em São Paulo, lembra sua alegria ao executar uma série derradeira, um conjunto em vinil sobre aglomerado de madeira em preto e branco, em que a rotação de uma figura geométrica acompanha a exclusão de um elemento – e, nesse aspecto, faz lembrar a forma do quadrado recortado de Volpi, que virou a famosa “bandeirinha”.
Volpi e Sacilotto, aliás, eram grandes amigos. Comemoravam juntos seus aniversários (Volpi, dia 14 de abril, Sacilotto, no dia 22 do mesmo mês). Apesar da meteórica passagem pelo concretismo, Volpi desenvolveu em suas pinturas princípios da arte concreta, em particular o sistema de equivalência entre figura e fundo e a contraposição entre positivo e negativo, cheio e vazio.
Definido por Waldemar Cordeiro como “a viga mestra da arte concreta”, Sacilotto, de 1954 em diante, passou a nomear as pinturas, relevos e esculturas com o título de Concreção, numerando as obras pelo ano e sequência de execução. Isso facilita o trabalho de críticos e curadores responsáveis pelo catálogo raisonée, que, segundo o cálculo do filho Valter, deve reunir mais de 1.200 obras, entre elas as que se encontram em museus estrangeiros (MoMA de Nova York, Museum of Fine Arts de Houston).
Na exposição da Galeria Almeida e Dale estão 50 obras que o pintor produziu entre os anos de 1974 e 2003. O artista voltou a pintar apenas em 1974, após ter parado por volta de 1965 – daí a exposição paulista abordar o período entre esse ano e sua morte. Desde 2020, a galeria passou a representar o espólio do pintor, decisão que, segundo o filho Valter, veio facilitar a realização de projetos como os livros e mostras internacionais.
Nas obras em exposição, Sacilotto divide as figuras para desenvolver uma multiplicação, criando uma brincadeira ambígua com as formas, a ponto de sugerir um 'trompe l’oeil' visual que a Op Art consagrou – embora o filho Valter rejeite a aproximação de Sacilotto com o húngaro Victor Vasarely (1906-1997) ou o francês Morellet (1926-2016), ele admite o cinetismo nas séries produzidas em 1970, que tiram seu dinamismo dos efeitos de expansão e retração, das rotações e dobras virtuais e, claro, da excelência técnica de Sacilotto.
Em 1983, o artista começa a pintar telas de pequenas dimensões, realizando algumas obras iguais em escala maior – há exemplos na mostra paulistana. A exposição reproduz um canto do ateliê de Sacilotto em Santo André, uma estante que guardava potes de pigmentos, alguns adquiridos e outros processados artesanalmente por ele – a exemplo do amigo Volpi, ele cuidava de todo o processo de produção, das tintas às telas. Até mesmo as esculturas, que não estão na mostra, feitas de retalhos de chapas metálicas, revelam esse fazer operário. “Ele reutilizou essas chapas, sucatas da indústria em que trabalhava, em suas primeiras esculturas”, conta o filho Valter. No fim, Sacilotto já podia arcar com os custos de materiais caros como o aço carbono policromado. No centro de sua cidade natal, Santo André, há uma escultura que usa o material. E tem quatro metros de altura.
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