Stefania Bril: Sobrevivente do Holocausto, polonesa que fotografou o Brasil ganha exposição

Mostra no IMS resgata trabalho da fotógrafa e agitadora cultural que, além de captar cenas cotidianas com sensibilidade, foi crítica de fotografia no ‘Estadão’ durante a década de 1980; veja galeria de fotos de ‘Stefania Bril: Desobediência Pelo Afeto’

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Foto do author Julia Queiroz
Atualização:

Uma placa de “não pise na grama” e, abaixo dela, um senhor tirando um cochilo deitado - é claro - na grama. Em um muro qualquer de São Paulo, uma pichação com os dizeres irônicos “abaixo a indústria da pichação”. Em Nova York, um funcionário da prefeitura conversa de óculos escuros com um gari enquanto segura três balões por um fio.

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Parecem situações imaginárias, mas todas são descrições de fotografias presentes na mostra Stefania Bril: Desobediência Pelo Afeto que abre nesta terça-feira, 27, às 18h, no Instituto Moreira Salles (IMS) da Avenida Paulista, em São Paulo. A exposição pretende apresentar o trabalho de uma profissional importante para a fotografia brasileira, mas que foi sendo esquecida com o tempo.

Stefania Bril (1922-1992) nasceu em uma família judaica em Gdansk, na atual Polônia, e foi criada em Varsóvia. Com a chegada das tropas nazistas no país, em 1939, precisou se esconder e, por anos, viveu com uma identidade falsa e com a ajuda de organizações da resistência. Era o seu primeiro ato de desobediência: sobreviver ao Holocausto que levou tantos dos seus.

Autorretrato de Stefania Bril, de 1971; fotógrafa que morreu em 1992 é tema de uma exposição no Instituto Moreira Salles Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril

Com o fim da Segunda Guerra, Stefania mudou-se para Bélgica com o marido, Casemiro Bril, e formou-se em química - em um período em que mulheres na universidade ainda eram raras. Finalmente, em 1950, os dois migraram para o Brasil. Aqui, ela trabalhou como pesquisadora até que, em 1969, matriculou-se em uma escola de fotografia.

Ela parecia ter descoberto sua vocação (ou mais uma delas): em pouco mais de uma década, produziu cerca de 11 mil imagens. Não só isso: passou a dedicar-se intensamente à pesquisa e à divulgação da fotografia no País, tornando-se a primeira pessoa a assinar como crítica de fotografia na imprensa tradicional - no final dos anos 1970, ela se tornou colaboradora do Estadão, um parceria que se estendeu por mais de uma década.

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Stefania Bril: Desobediência Pelo Afeto

Com curadoria de Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo e assistência de Pamela de Oliveira, a exposição do IMS apresenta cerca de 160 fotografias ampliadas digitalmente a partir dos negativos deixados pela fotógrafa, além de vídeos e documentos que explicam e mostram o trabalho da polonesa como crítica e articuladora do cenário da fotografia no Brasil, incluindo textos publicados no Estadão. São, ao todo, 340 itens em exposição.

Foto feita por Stefania Bril em 1972, na Via Dutra Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril

Segundo Ceron, responsável pelo Núcleo de Pesquisa em Fotografia do IMS, o acervo de Stefania tem uma particularidade: “Temos muitos fotógrafos dentro do nosso acervo, mas boa parte dessa documentação é de arquivos fotográficos. No caso da Stefania, nós temos o arquivo pessoal também, que inclui toda a atuação dela como escritora - suas crítica e cartas. Ou seja, tem um arquivo documental de Stefania que também mapeia um período da fotografia, sobretudo em São Paulo.”

O afeto no olhar

O acervo da fotógrafa foi adquirido pelo IMS em duas etapas. Primeiro em 2001, quando o marido dela vendeu parte do arquivo que ele própria havia organizado. Em 2012, quando Casimiro Bril morreu, a família vendeu o restante do acervo para a Instituto. Ainda assim, o arquivo ficou armazenado e intocado por anos.

Foi somente em 2019, quando o IMS destinou a segunda edição da Bolsa de Pesquisa em Fotografia ao estudo da obra de Stefania, que suas fotografias passaram a receber atenção. A pesquisadora contemplada foi Alessandra Vannucci - ela assina um dos textos do catálogo da mostra. A partir do lançamento da bolsa, começou um trabalho de folego de pesquisa e, alguns anos depois, teve início o planejamento da mostra.

A ideia da “desobediência pelo afeto” surgiu do paralelo entre vida e obra. “Começa talvez com essa desobediência civil para preservação da vida dela e da família [durante o Holocausto]”, explica Del Castillo, curador da Biblioteca de Fotografia do IMS. Já quando Stefania decide ser fotógrafa, ela foge do padrão que era estabelecido para os profissionais da época - não era fotojornalista e nem fotógrafa publicitária.

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“Ela não vai para os caminhos convencionais onde se coloca a profissão, mas, ao mesmo tempo, ela não é uma fotógrafa amadora”, diz Ileana Pradilla Ceron. O trabalho de Stefania se concentra em dois grandes temas: a cidade e as pessoas que a habitam. São imagens que mostram, em um primeiro momento, as mudanças causadas pela modernização acelerada. Mais tarde, ela adquire um olhar mais lúdico e sensível, registrando aquilo que é pouco visto no dia a dia acelerado.

“Começamos vendo essas imagens de destruição, como se ela tivesse olhando essa cidade moderna se autodestruir, ou colapsar, de certo modo. Mais tarde, o que ela vê é essa ideia de um lugar positivo, ela começa a achar saída, lugares onde a cidade ainda tem espaço para o lúdico, onde o humor está presente, onde existe uma sociedade de vínculos e da vida comunitária”, explica Del Castillo.

Também são muitos retratos de crianças, adultos e idosos, sorrindo, pegos desprevenidos ou em situações inusitadas. “É uma fotografia que tem uma conexão maior com o cotidiano, com a vida da cidade, com pessoas que não são conhecidas publicamente”, diz o curador. Para os organizadores, isso ajuda a explicar por que o trabalho de Stefania foi pouco valorizado com o tempo, já que era visto como algo “banal” ou “ingênuo”.

Ceron destaca, no entanto, que este afeto no olhar de Stefania é um dos pontos fortes do trabalho da fotógrafa. “Me impressiona muitíssimo que ela, tendo passado o que passou, tenha sido uma pessoa que acreditou profundamente no ser humano. Ela não perdeu em nenhum momento a esperança e eu acho que uma boa parte das obras dela mostra que sempre há uma saída”, diz.

Serviço

Exposição Stefania Bril: desobediência pelo afeto

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  • Abertura: 27 de agosto, às 18h
  • Visitação: até 26 de janeiro de 2025
  • 6º andar | IMS Paulista
  • Entrada gratuita

Conversa de abertura da exposição, com os curadores Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo e as convidadas Cremilda Medina e Nair Benedicto

  • 27 de agosto, às 19h
  • Cineteatro do IMS Paulista
  • Entrada gratuita, com distribuição de senhas 1 hora antes do evento e limite de 1 senha por pessoa.
  • Evento com interpretação em Libras
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