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Vênus de Botticelli vira ‘influenciadora’ em campanha e revolta italianos

Publicidade feita pelo ministério do turismo da Itália causou reação negativa ao usar pintura clássica do século 15 vestida e em poses modernas

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Por Trisha Thomas e Wyatte Grantham-Philips
Atualização:

ROMA (AP) - O Ministério do Turismo italiano achou que tinha uma maneira infalível de trazer viajantes para o país: transformar um ícone da arte do século 15 em uma influenciadora digital do século 21.

A representação digital de Vênus, deusa do amor, baseada na obra-prima renascentista de Sandro Botticelli, O Nascimento de Vênus, pode ser vista comendo pizza e tirando selfies para sua página no Instagram. Ao contrário do original, esta Vênus está totalmente vestida. A influenciadora afirma ter 30 anos, ou ser “talvez um pouquinho (mais velha) que isso”.

'O Nascimento de Vênus', por Sandro Boticelli, quadro pintado no século 15, na Itália. Foto: Reprodução do quadro 'O Nascimento de Vênus', de Sandro Boticelli

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Mas a nova campanha publicitária está enfrentando uma reação negativa significativa - com os críticos chamando-a de “nova Barbie” que destrói a herança cultural da Itália.

A campanha turística “banaliza nossa herança da maneira mais vulgar, transformando a Vênus de Botticelli em mais uma beleza feminina estereotipada”, disse Livia Garomersini, historiadora de arte e ativista da Mi Riconosci, uma organização de campanha de arte e patrimônio, em resposta ao projeto no mês passado.

A campanha, com duração de um ano, foi produzida pela agência nacional de turismo ENIT e pelo grupo publicitário Armando Testa, e está orçada em 9 milhões de euros, segundo a CEO da ENIT, Ivana Jelinic.

Jelinic disse que a campanha foi pensada para mercados estrangeiros, para atrair turistas mais jovens. A Vênus online foi lançada na Itália em 20 de abril e fez sua estreia internacional em Dubai no Arabian Travel Market no início desta semana.

Vênus de Botticelli como 'influenciadora digital' em campanha publicitária na Itália Foto: Gregorio Borgia/AP

“Gostamos da ideia de que seria uma obra de arte atemporal”, disse Jelinic à Associated Press, acrescentando que a Vênus de Botticelli “nos pareceu um ícone imortal que poderia representar bem a Itália”.

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A nova Vênus já foi impiedosamente transformada em meme, aparecendo entre latas de lixo, ao lado do chefe da máfia Matteo Messina Denaro , e em outros lugares nada respeitosos.

As críticas vão do uso de uma obra-prima até a maneira como a campanha foi orquestrada, incluindo o uso de imagens de estoque e outras gafes como um vídeo promocional de uma vinícola da Eslovênia.

Um pecado ainda maior para muitos é o slogan da campanha, “Open to Meraviglia” (Aberto à Maravilha), porque mistura o inglês com uma campanha turística italiana, mesmo quando o governo do país busca proteger a língua italiana como um pilar de sua cultura.

Existem outras gafes de linguagem.

No site da campanha, um tradutor automático transformou Brindisi, uma cidade portuária no sul da Itália, em sua definição literal em inglês: “Toast” [“Torrada” ou “Brinde”, em português], de acordo com Matteo Flora, professor da Universidade de Pavia. Essa parte do site agora foi desativada.

“Não vamos falar do ponto de vista da criatividade”, disse Flora, “Você pode gostar (da campanha) ou não, mas do ponto de vista técnico tem sido... uma espécie de avalanche de problemas.”

Isso inclui uma falha na proteção de domínios, permitindo que qualquer um roube o material e zombe do projeto com ele.

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Flora disse que a campanha também desperdiçou dinheiro. A equipe criativa optou por usar a “inteligência da criatividade humana”, em vez da inteligência artificial, para construir a Vênus virtual – mas Flora mostrou como ele poderia criar rapidamente uma campanha semelhante usando IA a um custo de 20 euros. Suas postagens nas redes sociais foram compartilhadas por milhares de pessoas.

Vênus de Botticelli como 'influenciadora digital' em campanha publicitária na Itália. Foto: Gregorio Borgia/AP

O uso de uma imagem da obra-prima de Botticelli também foi criticado por historiadores da arte, que dizem que isso diminui enormemente a beleza e o mistério do original do século 15.

“Talvez Botticelli não ficasse feliz com isso”, disse Massimo Moretti, professor de história da arte na Universidade de Roma.

Qualquer uso de uma imagem icônica como o Nascimento de Vênus corre o risco de atingir um nervo cultural, dizem especialistas em marketing.

“Quanto mais você tenta alterar algo que é histórico, provavelmente maior é o clamor”, disse Larry Chiagouris, professor de marketing da Lubin School of Business da Pace University.

“As pessoas vão dizer: ‘Você está mudando a cultura. Você está mudando quem somos, porque faz parte da nossa história’”, acrescentou Chiagouris.

“Não gostei do fato de terem usado a Vênus de Botticelli assim, já que é uma obra de arte”, disse Riccardo Rodrigo, estudante do ensino médio em Roma. “Eles fizeram algo para agradar a Geração Z. Acho desnecessário, pois pode ser usado como está e não de forma modificada, como eles fizeram.”

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As Galerias Uffizi, que abrigam o Nascimento de Vênus de Botticelli em Florença, não quiseram comentar a campanha.

Para os criadores da campanha, entretanto, qualquer mídia é boa mídia.

“Tornou-se tão viral”, disse Jelinic do ENIT, acrescentando que “os internautas a fizeram ganhar vida” mesmo ao colocar a nova Vênus em lugares sem glamour.

“Acho interessante em termos de comunicação social”, disse Jelinic. “Nossa campanha é mais atraente do que (os críticos) querem admitir.”

As autoridades de turismo planejam expandir a campanha por meio do uso de outdoors e telas de vídeo em aeroportos e ferrovias.

Vênus de Botticelli em campanha publicitária do ministério do turismo italiano Foto: Gregorio Borgia/AP
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