O artista Felipe Rezende, 28, conta a história de um Brasil profundo em pinturas feitas sobre grossas lonas de caminhão. Desgastadas e remendadas, ele as considera como “pele da estrada da vida”, conta com os olhos cintilantes durante a entrevista concedida ao Estadão. Na obra que dá título à exposição O Último Buritizeiro, com curadoria de Tiago Sant’Ana, na galeria Leme, Felipe retrata dona Ozelina, uma coletora do Quilombo da Cacimba, no extremo oeste baiano. É uma figura sofrida, mas que exala força.
Assim como Ozelina, ele também evidencia outros trabalhadores, como pescadores, garis e ambulantes, como Silvio, que vende caldos na região do Terminal de ônibus do Butantã.O uso da lona em seus trabalhos é recente, tendo o artista realizado uma série de investigações no material durante sua residência artística na galeria Pivô, no centro de São Paulo, motivo que o trouxe à capital paulista em 2022.
Natural de Barreiras, cidadezinha do interior da Bahia, quase na divisa com o estado do Tocantins, Felipe Rezende incorpora em sua produção signos de um país que vive um conflito de terras em seus rincões. O trabalho pesado dos camponeses, que ele inclusive registrou no documentário o Estrondo do Quilombo, dirigido por Diva Bonfim, mostra a preocupação de Felipe com a questão agrária: ele denuncia o abuso do agronegócio em algumas pinturas da série, mostrando terra arrasada pelas queimadas e aviões que despejam agrotóxico como se fossem bombas.
O artista, que já trabalhou como garçom e pintor de parede, sabe a importância do trabalho pesado e usa os acidentes da lona para evidenciar o poder do tempo, indelével.”A lona de caminhão carrega as grandezas do deslocamento, do tempo, da necessidade em estar em constante trânsito”, diz o artista, que está acostumado com mudanças. Antes de levar o Prêmio EDP nas Artes, do Instituto Tomie Ohtake, em 2019, Felipe morou em diversos lugares de Salvador, onde cursou Artes Plásticas na Universidade Federal da Bahia.
Na faculdade, sempre dependeu de bicos para bancar moradia, um fator que pode ter dificultado, mas não o impediu de traçar um caminho artístico, sempre em busca de referências, como as gravuras clássicas do alemão Hans Holbein a personagens da cultura pop, animes e mangás.
Seu livro preferido, o romance Grande Sertão: Veredas, do mineiro João Guimarães Rosa, diz muito a seu respeito; a história do viajante no eterno descobrir-se, algo que se mostra na insistente caminhada para poder criar suas pinturas, sem precisar fazer malabarismos. Em 2022, depois da temporada no Pivô, a galeria Jack Bell, de Londres, adquiriu algumas de suas obras, o que lhe garantiu uma reserva. Pelo menos até Buenos Aires, onde começa uma residência artística no próximo mês.
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