Definir Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Paulinho da Viola como monumentos seria um mero eufemismo. Os quatro completam 80 anos em 2022 e são verdadeiros alicerces da música brasileira. Revolucionários às próprias maneiras.
Porém, apesar de celebrados, talvez ficassem restritos à prateleira dos clássicos, com dificuldade de alcançar as enormes massas juvenis que arrastaram nos anos 60, 70 e 80. Como tudo, a música muda, evolui, transitam. As modas passam e os estilos preferidos se transformam.
Há até quem diga que a geração TikTok não suporte mais canções acima dos três minutos. Discordo, mas compreendo. E um projeto nasceu para reaproximar esses gigantes da MPB de públicos mais jovens: Atemporais, do Spotify.
Mistura fina
A coletânea da plataforma de streaming homenageia os quatro ícones com oito singles em versões inéditas. Duas de cada músico. Para interpretá-las, oito artistas da nova geração: Mari Fernandez, Marina Sena, Linn da Quebrada, Pabllo Vittar, Djonga, Ludmilla, Criolo e Emicida. Metade já está no ar.
Montanhas e mulheres
Cantar Milton Nascimento não é para qualquer um. E coube a Ludmilla a responsabilidade de interpretar ‘Maria, Maria’ no Atemporais. Sou mineiro. E confesso que essa foi a faixa que mais me deixou aflito antes de ouvir.
Mas por um carinho inconfidente. Um cuidado serrano. Talvez até ciúme desconfiado de quem é daquela terra. Não poderia ter tido mais grata satisfação.
A cantora nascida no funk não só faz honra a Bituca como consegue dar outra roupa à canção: mais contemporânea, com carinha de baladinha e pop. Isso sem tirar em nada a força da letra que fala tão profundamente da força e da raça das mulheres mineiras.
Ao final, um presente: a música que sempre acaba na mais alta potência, frequentemente acompanhada de coros e reverberações que preenchem as ladeiras de Minas quando executada ao vivo, termina de um jeito nunca antes ouvido, com uma sutileza imprevisível para a voz de Ludmilla. Verdadeiramente atemporal.
MPB forrozeiro
Até o momento, a versão mais surpreendente foi a de Mari Fernandez. Sem sombra de dúvidas. Na voz da cearense, ‘Você não entende nada’ virou piseiro. E a sensação é de quem sempre deveria ter sido. O humor dos versos e da letra combinam perfeitamente com o ritmo abraçado.
De clássico a psicodélico
Marina Sena foi alvo das mais estúpidas controvérsias quando explodiu com Por Supuesto. A voz anasalada e única da mineira recebeu injustas críticas. Porque ela arrasa! E não faz diferente emprestando o timbre para Da maior importância.
O clássico de Caetano Veloso, outrora lindamente interpretado por Gal Costa, ganha contornos psicodélicos com um ar de Björk absolutamente inesperado e brilhante.
Travessia de décadas
Djonga também o rapper belorizontino trouxe um borogodó para ‘Travessia’. Ele surpreende com o alcance vocal, chegando a notas altas sem perder a identidade da voz, e parece evocar Tim Maia nos versos do poeta Fernando Brant.
Tudo isso envolto em uma melodia carregada de influências do hip hop e sintetizadores. Primoroso. Criolo e Emicida cantam Argumento e Não quero vingança, de Paulinho da Viola, respectivamente, com lançamento em 9 de novembro. E em 16 do mesmo mês saem Back in Bahia e Babá Alapalá, de Gilberto Gil nas vozes de Pabllo Vittar e Linn da Quebrada.
Resistência batucada
Francisco, el Hombre gosta de misturar ritmos e promover ‘aulas de crossfit’ nos shows. As batidas potentes características da banda ficam mais sutis na versão de Apesar de Você.
O clássico de Chico Buarque foi relançado na última semana em excelente timing. Destaque para a voz absurda de Juliana Strassacapa.
Não por menos, o grupo incluiu no release a faixa a capella e outra instrumental. Vale ouvir, nas plataformas de streaming.
Grito de protesto
A voz despojada e vigorosa de Renato Enoch brinda Como nossos pais, de Elis Regina. A extraordinária versão guarda um grito de protesto e pode ser ouvida online.
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