Sabe quando criança brinca de boiar de barriga para baixo?, lemos no começo de Todos os Santos (Alfaguara, 2019), romance de Adriana Lisboa. É um domingo de sol no Rio, o clube está lotado e uma criança comemora o aniversário com os amiguinhos da escola. Mauro foi na festa com a irmã mais velha e está boiando de barriga para baixo. Não era brincadeira. E ninguém viu o que aconteceu. Ele tinha 9 anos. Vanessa, quem nos conta isso algumas décadas depois, tinha 11.
A família se esfacelou, e uma hora pai, mãe e filha deram um jeito de "reorganizar o sentido das coisas, de reencontrar um sentido para as coisas". Novas famílias se reconfiguraram, e aquela tarde, "uma daquelas dobradiças fundamentais da nossa vida, um daqueles momentos-chave que marcam a fronteira entre um antes e um depois irreconciliáveis" vai pairar sobre eles por toda a vida.
A este núcleo familiar, somam-se André e Isabel, que estavam na piscina no dia da tragédia, e a mãe deles. É a André que Vanessa se dirige neste seu monólogo - o colega de seu irmão com quem dividiria sua vida até aquele momento, com quem cruzou o mundo em busca de aves, silêncios e refúgio - até chegar à Oceania, onde está agora, só.
Seguindo a história narrada por Vanessa em 2016, as idas e vindas no tempo e no espaço, a separação, os segredos, as tramas dessa família que encontrou, nos escombros, algum amor, vislumbramos um país sob a ditadura militar, depois afundado em crise e inflação (eles crescem nos anos 70/80) e mais adiante flertando com a extrema direita. A história de uma vida "generosa" até, mas fundada numa perda irreparável. O romance mais bonito que li nos últimos tempos.
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