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Bilionário francês cria um museu em Paris

Com projeto do arquiteto japonês Tadao Ando, ele fica ao lado do Museu do Louvre, na Bolsa do Comércio

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Por Roger Cohen
Atualização:

PARIS - O bilionário francês François Pinault nunca perdeu tempo com a convenção. “Evitar os caminhos já percorridos” é o seu lema. Entediado com a aquisição de obras impressionistas e cubistas, há quatro décadas disse a si mesmo: “É impossível que nos tornamos tão estúpidos a ponto de não existir nenhum ser humano vivo capaz de criar obras-primas do futuro”.

O bilionário francês François Pinault: espírito de agitador Foto: The New Yoirk Times

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Os frutos dessa convicção estão agora à mostra num museu de arte contemporânea que ele inaugurou em Paris no sábado, 22, com as obras expostas sob a cúpula da Bolsa de Comércio. Com o Museu do Louvre de um lado e o Centro Pompidou do outro, este recém-chegado à vida cultural de Paris combina tradição e modernidade.

Outrora uma bolsa de grãos, o iluminado edifício passou por uma reforma que ficou a cargo do arquiteto japonês, vencedor do Pritzker Prize, Tadao Ando, que já havia trabalhado com Pinault no Palazzo Grassi de Veneza.

O novo museu projetado em forma de cilindo por Tadao Ando Foto: The New York Times

Ando instalou um cilindro de concreto de quase 33 metros de diâmetro na cúpula central, criou uma área de exposição central, mas manteve a estrutura original.

“É um manuscrito da história francesa”, afirmou Martin Bethenod, diretor do museu. E nada dele foi ocultado.

Restaurados no século 19, os afrescos abaixo da cúpula ilustram o comércio global da época. Representam muito bem os estereótipos degradantes de um mundo colonizado em que os comerciantes europeus brancos realizavam negócios com os africanos de peito nu. A justaposição com obras nas galerias abaixo dos afrescos de artistas americanos negros, incluindo David Hammons e Kerry James Marshall, é forte. Suas peças, guiadas pela reflexão sobre as grotescas e duradouras feridas do racismo, parecem mais carregadas nesse cenário.

Transitoriedade é o tema. Nada dura, mas nada desaparece totalmente. No centro da exposição do museu está uma réplica em cera da estátua de Giambologna do século 16, O Rapto das Sabinas, em que três figuras que se retorcem. Criada pelo artista suíço Urs Fischer, quando da abertura do museu no sábado foi ateado fogo à réplica e ela ficará queimando por seis meses, não deixando nada atrás.

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Assim, uma obra-prima maneirista se tornou uma espécie de vela gigante elaborada. Sic transit gloria mundi. A Bolsa de Comércio propriamente dita foi alugada da prefeitura de Paris por um período de 50 anos - uma lembrança de que o período de vida do museu pode não ser eterno. O cilindro de Tadao Ando foi projetado de modo a ser removido uma vez o prazo terminar.

Pinault, 84 anos, um pretenso “agitador” sempre esteve mais interessado na descontinuação do que na permanência.

Nascido na Bretanha rural ele transformou um pequeno negócio com madeira num conglomerado de artigos de luxo avaliado em US$ 42 bilhões, que inclui marcas como Gucci e St. Laurent. Perguntei-lhe sobre o transcurso do tempo para ele. “Bem, sou igual a todo mundo. À medida que você envelhece, isso amarga um pouco, mas não estou obcecado pelo tempo que ainda me resta. Espero que seja o mais longo possível”, disse.

Como, ele perguntou, uma pessoa pode se achar importante, confrontada pelo fluir da história? “A humildade precisa ser trabalhada com pedra-pomes diariamente. O ego é algo que cresce se você não aplicar um herbicida”.

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Atrás dele, em seu escritório na Bolsa de Comércio, está pendurado um quadro, SEP.13, 2001, obra em branco e preto do artista japonês On Kawara. É um lembrete de que o inimaginável acontece - ou como disse Victor Hugo: “Nada é mais iminente do que o impossível”. Mas a vida, no entanto, continua.

Para Pinault esse projeto representa um desejo antigo de abrigar parte das suas mais de 10 mil obras de artistas, entre eles Cy Twombly, Cindy Sherman, Damien Hirst, Jeff Koons e Marlene Dumas num museu em Paris. Os esforços para isso começaram há 20 anos com um projeto, depois abortado, de adquirir uma fábrica desativada da Renault no subúrbio de Boulogne-Billancourt.

Embora as obras de Sherman estejam numa posição proeminente - incluindo uma foto perturbadora de uma mulher de cabelos platinados, de costas, de pé numa estrada deserta americana, com sua mala ao lado numa vaga meia-luz - a exposição não se concentra totalmente nos gigantes da Coleção Pinault , como se o principal objetivo fosse sacudir os parisienses que vêm surgindo depois de meses de lockdowns por causa do coronavírus com uma injeção do que é novo e pouco conhecido na França.

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Pinault disse ter conhecido Hammons, um artista em geral recluso que surgiu nos anos 1969 e 70, há mais de 30 anos. Hammons soube que Pinault era filho de um camponês de um pequeno vilarejo bretão. “Ele me disse que éramos parecidos e eu caí na risada". “Não exatamente”, respondi.

Mas assim nasceu uma amizade. E o seu fruto são os mais de 25 trabalhos de Hammons em exibição na Bolsa de Comércio.

Mas, e esses murais que glorificam a colonização europeia com Cristóvão Colombo descendo do céu numa caravela para encontrar os americanos nativos seminus? “Estamos convencidos há muito tempo que constituímos a civilização, as pessoas mais evoluídas. Nunca aceitei isso”, disse Pinault. Nos afrescos, acrescentou, está “o início do comércio global, mas dominado pela Europa e a França”. Em resumo, “tudo o que um David Hammons detesta”.

Quando o artista viu um vídeo dos afrescos e os gigantescos mapas antigos traçando as rotas de comércio pós-escravidão dominadas por navios europeus, ele pediu que sua instalação Minimum Security, inspirada por uma visita ao corredor da morte da prisão de San Quentin, fosse colocada diante desse pano de fundo. O rangido e o ruído metálico da porta de uma cela parecem carregar o eco de séculos de opressão.

“Algumas pessoas vão nos criticar e dizer que a instalação é uma vergonha. Podíamos ter ocultado o afresco - você sempre pode ocultar alguma coisa, o que significa anular a cultura. Neste caso, um grande artista afro-americano disse, “não oculte”.

Pinault disse que seu museu não vai acrescentar muita coisa a Paris, mas talvez, como uma instituição particular, possa operar mais rápido enquanto os comitês nos museus públicos refletem. “Talvez você tenha uma coleção que, do contrário, não estaria aqui”.

Talvez sim. Ele estava sendo modesto.

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Pinault se descreve como um incansável inconformista. “Minhas raízes estão sob as solas dos meus sapatos”. Quando a vida oferece algo importante o bastante para incitá-lo a se aventurar, sugeriu, “você tem de pegar sua mala, como aquela mulher à margem da estrada na fotografia de Cindy Sherman - minha favorita”.

Ele estava com 19 anos de idade quando deixou a Bretanha pela primeira vez e foi para Paris. Alistou-se no Exército e foi para a Argélia, onde a guerra era feroz. Era 1956. Paraquedista, recebeu ordens de vasculhar vilarejos em busca de argelinos rebeldes lutando contra o domínio colonial francês. Mas os rebeldes tinham partido dali há muito tempo; tudo o que havia eram casas repletas de mulheres, crianças e idosos. Pinault disse ter interpelado seu comandante. “O que estamos fazendo aqui? Esta guerra já está perdida”.

“Cale a boca Pinault”, respondeu o oficial.

Mas ele nunca se calou. Pelo contrário, criou uma coleção única de arte contemporânea e uma vida motivada pela antecipação. “Somente prever”, poderia ser um dos seus lemas.

Como resultado, Paris, às vezes um pouco presa à sua rotina, sem desejo de mudanças, tem agora alguma coisa diferente, disruptiva e desafiadora que lhe é oferecida na Bolsa de Comércio./Tradução de Terezinha Martino

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