Pequena vaidade do grande escritor: Philip Roth preocupava-se com sua reputação póstuma. Sobretudo depois que a atriz Claire Bloom, sua ex-mulher, publicou, em 1996, um livro que o retratava com um marido maníaco e autoritário, o autor de A Marca Humana se dedicou a corrigir a imagem de escritor misógino que ganhara entre alguns críticos e veículos de imprensa. Roth não parece ter sido totalmente sincero quando pediu a seu biógrafo autorizado, Blake Bailey, que não tentasse redimi-lo, mas sim mostrá-lo como um personagem interessante. A ironia amarga é que Bailey só veio trazer infâmia à memória do escritor. No ano passado, logo após o lançamento da biografia – competente, embora superficial na análise literária – estourou o escândalo: ex-alunas do autor vieram a público acusá-lo de assédio sexual e de estupro. Todas tiveram Bailey como professor em uma escola de Nova Orleans, nos anos 1990, quando teriam onze ou doze anos, mas as agressões teriam acontecido bem mais tarde, quando as elas já eram adultas. Depois dessas denúncias, a editora Valentina Rice também relatou ter sido estuprada pelo autor, em 2015, quando os dois estavam hospedados na casa do crítico Dwight Garner.
Frente às acusações, a editora W.W. Norton decidiu interromper a distribuição da biografia, que depois foi reeditada por uma casa menor, Skyhorse. A Companhia das Letras, que publica Roth no Brasil e planejava editar a biografia, suspendeu a tradução. Na imprensa americana, alguns articulistas fizeram a associação fácil (e falaciosa) entre o propalado machismo de Roth e os presumíveis crimes de Bailey. A história do escritor que em seus últimos anos de vida escolhe o pior biógrafo possível para recuperar sua reputação talvez pudesse ser um enredo de Philip Roth – mas não de um de seus melhores romances
No livro Por que Escrever?, o escritor Philip Roth fala de vários escritores de sua predileçao, entre eles Primo Levi , autor de É Isto um Homem?, que nesse livro de 1947 relata sua experiência junto aos judeus no campo de extermínio de Auschwitz. A seguir, suas observações:Primo Levi (1919-1987) "Dos artistas mais intelectualmente talentosos do século 20 (…), ele talvez seja o que mostra maior adaptação à vida toda que o cerca. É possível que (…) [essa adaptação] constitua sua resposta a tudo que fizeram para (…) apagar da história ele e tantos outros judeus” Além de Primo Levi, Roth fala de dosis outros autores: Franz Kafka (1883-1924): “Sua ficção nega todos os devaneios fáceis, sentimentais e tipicamente humanos de salvação, justiça e realização com argumentos densamente imaginados, que zombam de todas as soluções e fugas”J.D. Salinger (1919-2010): “Vejo [em sua obra] uma rejeição da vida como ela é vivida no mundo cotidiano – considerado indigno daquelas poucas e preciosas pessoas que foram postas nele apenas para ficarem loucas e serem destruídas"
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