MADRI - Acostumado a receber milhares de turistas, o restaurante mais antigo do mundo está às moscas em pleno verão europeu. Localizado no centro de Madri, o Botín, fundado em 1725, luta para sobreviver à pandemia depois de ficar mais de três meses sem abrir as portas. “A verdade é que foi um golpe muito duro e que surpreendeu todos. Nunca havíamos fechado antes. Nem mesmo durante a Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 1939. Meu avô continuou alimentando os civis e militares enquanto via as bombas caírem. Agora estamos tentando correr atrás do prejuízo para que esses 295 anos de história permaneçam vivos”, afirma o gerente Antonio González.
O local foi fechado em 14 de março, quando a Espanha decretou o estado de alarme no país e, consequentemente, toda a população foi confinada. No dia 1.º de julho, o Botín voltou a funcionar. O faturamento pós-reabertura, entretanto, não chegou nem perto dos anos anteriores. Sem os habituais turistas, Madri se transformou numa cidade de pouco movimento. “Tem muitos hotéis de luxo e albergues na Plaza Mayor. É um local turístico. Com um número bem menor de estrangeiros hospedados na região, principalmente os ingleses e alemães, perdemos grande parte do nosso público”, diz González.
Com uma arquitetura preciosa, o restaurante de três andares tem salas de diferentes períodos históricos. A parte subterrânea é a mais charmosa e lembra uma imponente taberna. A especialidade da casa é o cochinillo (leitão assado). Outros pratos como as croquetas de jamón (croquetes de presunto) e o gazpacho (sopa fria de tomates) também são referências da tradicional cozinha madrilenha. Os protocolos sanitários contra a propagação da covid-19 obrigaram o Botín a reduzir o número de mesas na parte interna: agora são apenas 15. O restaurante também instalou lugares na área externa, além de tomar a temperatura de todos os clientes.
Por enquanto, o Botín não precisou demitir nenhum dos 75 funcionários. Tudo porque o governo de Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, proibiu as empresas de despedir seus empregados durante a crise. A coalizão de esquerda subsidiou uma espécie de desemprego temporário, que é pago pelo Estado. Apesar de não ter demitido ninguém, apenas 12 pessoas estão trabalhando no restaurante atualmente. Sendo assim, os antes sete cozinheiros se converteram em apenas dois. González, portanto, foi obrigado a diminuir o número de pratos do tradicional cardápio. Ainda de acordo com o gerente, a clientela teve uma redução de 90%. “Antes, em pleno mês de agosto, costumávamos receber 600 pessoas por dia. Com a pandemia, esse número caiu para 60. A meta agora é tentar reduzir os prejuízos mensais”, explica.
Mesmo com o restaurante fechado, o famoso fogão a lenha, uma das atrações da casa, continuou sendo aceso todos os dias. O responsável por isso é o funcionário Marcos, que vive em frente ao estabelecimento. “Não queríamos correr o risco de que ele parasse de funcionar. São muitos anos de tradição e o fogão a lenha nunca foi apagado. É a nossa tocha olímpica e que mantém o espírito da família vivo desde 1725”, complementa González.
Refúgio de artistas e escritores. Apesar de ser tradicionalmente espanhol, o nome Botín é francês. Tudo começou quando o cozinheiro Jean Botín se mudou para Madri com a mulher de Astúrias e decidiu abrir o negócio na rua de Cuchilleros, número 17. O objetivo era oferecer o melhor da gastronomia espanhola no coração da cidade.
Desde então, nomes como Vladimir Putin, atual presidente da Rússia, e Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos, passaram pelo local e fizeram elogios escancarados ao famoso cochinillo.
Patrimônio histórico de Madri, o Botín, que é considerado pela Revista Forbes como um dos dez melhores restaurantes clássicos do mundo, também já foi o lugar predileto de algumas das personalidades mais importantes da cultura mundial. Em 1765, o pintor espanhol Francisco de Goya trabalhou no local como lavador de pratos. Recém-chegado à cidade, o jovem, então com 18 anos, buscava emprego para se manter em Madri. “Todas as crônicas da época apontam que Francisco de Goya trabalhou num restaurante ao lado da Plaza Mayor. Não havia outro naquela época, só esse”, explica Celso Solís, mestre do Botín há mais de 30 anos.
O restaurante também aparece em diversas obras literárias. Escritores como Ernest Hemingway, Benito Pérez Galdós e Scott Fitzgerald já citaram o local em seus respectivos romances. Hemingway, que foi correspondente em Madri durante a Guerra Civil Espanhola, amava o cochinillo e o vinho caseiro do Botín. Certa vez, o norte-americano o classificou como um dos melhores restaurantes do mundo. Um dos trechos mais emblemáticos do clássico O Sol Também Se Levanta, inclusive, se passa no Botín (...Almoçamos escada acima na casa Botín. É um dos melhores restaurantes do mundo. Comemos leitão assado e bebemos rioja alta...). “De fato, é um lugar com muita cultura literária. Sou otimista em relação ao futuro. Tenho a impressão de que em breve essas mesas estarão cheias novamente. Hemingway ficaria contente”, brinca González.
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