É comum, durante uma viagem, aprendermos detalhes sobre bairros e ruas desconhecidas, talvez por terem um ponto turístico interessante, por abrigarem um restaurante charmoso ou simplesmente por nos encantar enquanto andamos a esmo. No entanto, ao retornar para casa, dificilmente temos o mesmo interesse sobre o quarteirão em que moramos. É como se os olhos curiosos não brilhassem tão forte quando o que está ao redor já é considerado comum. Mas, e se fosse possível fazer uma espécie de intercâmbio cultural dentro de São Paulo? É exatamente esse o objetivo da Jornada do Patrimônio, que acontece entre os dias 20 e 21 de agosto.
Ao todo são mais de 350 atividades programadas, sendo que mais de 70% delas são atividades propostas pela população através de editais. Neste link é possível ver a programação completa da Jornada do Patrimônio 2022 e garantir o seu lugar nos eventos limitados. Para aqueles interessados em visitar a casa, envie e-mail para thiago.mascena@
O evento, feito desde 2015 pela Prefeitura de São Paulo, busca aproximar a população do patrimônio histórico da cidade através de diversas manifestações culturais com temáticas relacionadas ao patrimônio histórico-cultural. “O tema desta oitava edição é ‘tão perto, tão longe’. Com isso a gente quer incluir no imaginário da população que a memória histórica e o patrimônio cultural vão além dessas barreiras da região central”, explica a secretária Municipal de Cultura de São Paulo, Aline Torres.
A Jornada é composta por três linhas: abertura de imóveis históricos - públicos e privados -, roteiros de memórias e oficinas e palestras. Cada uma delas com o objetivo de revelar personagens, histórias ou espaços que interajam com a memória da cidade. Tal como faz o Palacete Nhonhô Magalhães.
Desde 1937 na esquina da Avenida Higienópolis com a Rua Albuquerque Lins, o imóvel já serviu de casa para a família Magalhães, abrigou a Secretaria de Segurança Pública em 1974, foi sede da Delegacia Antissequestro e finalmente, em 2005 foi vendida ao Shopping Pátio Higienópolis. Agora, é reaberta, depois de dez anos de restauro, como Casa Higienópolis, e participa mais uma vez da Jornada para que o público conheça sua história de perto. Sua primeira aparição foi em 2015, quando ainda estava em processo de restauração.
“O nosso mestre de obras foi o próprio edifício e a gente trabalhou aqui com várias linguagens da própria arquitetura”, conta Antônio Sarasá, responsável pela restauração do imóvel. “A gente restaura para buscar os fazeres e saberes dos antepassados, trazer esse conhecimento para a transformação atual e levar isso para as gerações futuras. Não é a matéria que tem tanta importância, mas sim todos esses valores simbólicos e o resgate que está por trás dessa materialidade", enfatiza ele.
Com cinco pavimentos, incluindo um anfiteatro e um jardim externo, e 7.002 m² de área total construída, muitas das estruturas são originais: desde os vitrais e papéis de paredes, passando pelos azulejos e os detalhes da porta. Hoje tombada pelos órgãos Estadual e Municipal de Preservação de São Paulo (CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico Turístico do Estado de São Paulo - e o Conselho de Preservação do Município de São Paulo), a sua arquitetura foi inspirada nos palacetes franceses, incorporando diferentes movimentos artísticos e arquitetônicos preferidos na época.
Ainda na calçada, o casarão encanta com seu robusto jardim e suas colunas com detalhes de uma arquitetura neoclássica. O Hall Principal mantém o encantamento com a quantidade de detalhes da arte e arquitetura mourisca, desenvolvida na península ibérica entre os séculos VIII e XV. Sarasá explica que a família tem origem portuguesa, “então podemos observar esse período da florescência da península ibérica ganhando dimensão das artes com a influência árabe”.
As grandes navegações portuguesas também são homenageadas na casa, através do estilo manuelino. “É um estilo decorativo inspirado em Dom Manuel, um rei que incentivou o além-mar, então você sente quase como se estivesse em uma caravela,com os detalhes das cordas no corrimão da escada, nos estuques, as cúpulas celestes, você vê o português como protagonista do descobrimento dos mares”, ensina Sarasá.
Quem visita, é bom fazer com tempo, para perceber os detalhes nos entalhes de madeira, vitrais e pisos, além do cuidado com a estrutura original para que a acessibilidade e as partes funcionais da casa fossem aplicadas - tal como elevador, banheiros e ar condicionados. O restaurador explica que as paredes têm caráter de flexibilidade, o que significa dizer que se manteve a parede original intacta e as construções necessárias foram feitas em uma parede oca.
Para mostrar essa importância, no entanto, pedaços das paredes, com suas determinadas pinturas originais são mostradas ao longo da casa. “A gente fez uma consolidação para garantir a contemporaneidade, mas mostra para o público que elas estão ali”, conta.
A obra de restauro ficou pronta no início de 2020 - ano em que foi inaugurado o Paço das Artes que também faz parte do complexo -, mas devido a pandemia, aguardaram para a abertura oficial este ano. Algo que se assemelha à própria Jornada do Patrimônio, que volta a ser presencial este ano, depois de duas edições virtuais. “A expectativa é que a gente tenha o público de volta e não só os nossos historiadores e arquitetos, que são muito valorosos para nós, mas a população como um todo”, diz Aline.
Ao construir o casarão, o grande desejo de Carlos Leôncio de Magalhães, o Nhonhô, um dos mais importantes cafeicultores paulistas do início do século XX, era receber pessoas e é isso que a então Casa Higienópolis pretende cumprir participando de eventos culturais. E se você se interessa pela história do café, a programação da Jornada do Patrimônio inclui opções como o ‘Tour Cafés Sampa’ que permite conhecer a história do grão na cidade de São Paulo, passando pelas melhores cafeterias da capital. Agora, se o assunto é arquitetura, no lado oposto da cidade, em São Miguel Paulista, ocorrerá tours históricos, incluindo conhecer a capela histórica que leva o nome da cidade, construída por índios e padres jesuítas. “A gente vai fazer com que essa programação, esse imaginário, chegue até a periferia também”, incentiva Aline.
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