No “aplausômetro” do Festival de Cannes deste ano, medido pela revista Empire, A Crônica Francesa ficou em segundo, após o anime Belle. Na recente Mostra de São Paulo, o longa foi um dos que tiveram sessões presenciais lotadas. Está nas salas, mas agora a crítica tem sido dura. Wes Anderson teria esgotado sua chama criativa, à força de repetição. O novo filme seria uma repetição fria dele mesmo. Teria, seria – é mesmo?
Muitos críticos já destacaram que os personagens excêntricos do autor poderiam estar em filmes do mestre francês Jacques Tati, um gênio da pantomima. Talvez por ter ambientado a história na França, Anderson permitiu-se emular o criador de M. Hulot. Numa cena belíssima, ele mostra o despertar na cidadezinha chamada Ennui-sur-Blasé. Tédio sobre Apatia. Um espaço comunitário, uma praça. Abre-se uma janela, alguém sai por uma porta. De repente, é um vaivém contínuo, gente para lá e para cá. A cidade vive. A essência de Tati – M. Hulot sempre foi o indivíduo confrontado com a multidão.
A Crônica Francesa tem talvez o maior elenco de astros e estrelas do ano. Um destaque obrigatório vai para Léa Seydoux. O ano está sendo glorioso para ela, presente no Bruno Dumont (France) e no James Bond (007 – Sem Tempo para Morrer). O nu frontal de Léa, posando para o artista, já entrou para a história. O detalhe é importante porque o nu está longe de ser gratuito. O tema da arte é central no novo Wes Anderson. Arte e política, a arte de ser – e estar – no mundo.
O filme é sobre o suplemento – editado na França – de um jornal dos EUA. O editor-chefe está morrendo – na América. Essa é a história. O jornal pode morrer com Bill Murray. Antes de partir, ele está preocupado com custos. A imprensa – o suplemento – tem futuro? Interessante forma de refletir sobre um tema atual – a imprensa na era das redes sociais. Exposta a situação, o filme gira em torno de três histórias que discutem o papel da arte no mundo.
Essa reflexão é particularmente interessante no Brasil, onde o atual governo mantém uma cruzada contra a cultura. A arte como negócio, como expressão política e como autodestruição. São três histórias. Você já leu, e nesse texto, que alguns acham que Anderson está a repetir-se. Mais do mesmo. Mais diversão, mais elegância, mais invenção maravilhosa e excêntrica, mais originalidade. Porque, no limite, a fábula é original. Mais do que o tributo de Anderson à imprensa, é o tributo dele à The New Yorker, com seu jornalismo literário.
Muitos personagens são reais – devidamente ficcionalizados por Anderson em seu peculiar estilo. O jornalista Herbsaint Sazerac/Owen Wilson é inspirado em Joseph Mitchell, o comerciante de arte Julien Cadazio/Adrien Brodre no lendário Lord Duveen. Tilda Swinton conta a história do artista preso, Frances McDormand evoca o Maio de 68. As histórias fluem na tela criando aquele tecido que faz do cinema de Anderson algo tão especial. Talvez não seja O Grande Hotel Budapeste, nem O Fantástico Sr. Raposo, mas o encantamento segue intacto. A magia do cinema do autor está na sua metalinguagem. O prazer de contar, e contar segundo técnicas e estilos diversos, de tal forma que, mais do que repetir-se, ele permanece fiel a si mesmo.
Os 9 minutos de aplauso em Cannes não representam pouco. Só como curiosidade, Empire lembra o campeão de aplausos em toda a história do festival – O Labirinto do Fauno, de Guillermo Del Toro, 22 minutos. Também vale lembrar que Antonioni foi vaiado por A Aventura, em 1960, e Maurice Pialat recebeu sua Palma debaixo de apupos por Sob o Sol de Satã, em 1987, mas essa, como diria Billy Wilder, é outra história.
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