No dia do teste de vídeo final de Austin Butler para Elvis, o diretor Baz Luhrmann exigiu muito dele.
Butler passou cinco meses preparando aquele momento, treinando o papel com Luhrmann, fazendo testes de cabelo e maquiagem, ensaiando as músicas. Contra todas as probabilidades, Butler emergiu como o improvável favorito para conseguir o papel de nomes mais estabelecidos como Harry Styles, Miles Teller e Ansel Elgort. Mas isso ainda não era oficial.
E durante o teste de vídeo, Luhrmann mexeu no roteiro. Algumas das cenas que Butler tinha preparado foram jogadas fora. Em outras, Luhrmann lhe deu falas por trás da câmera. O único minuto de Suspicious Minds que Butler deveria apresentar em um macacão de Elvis Presley foi esticado para seis.
“Cheguei em casa e pensei: ‘Acho que não consegui. Senti como se minhas mãos estivessem amarradas nas costas'”, disse Butler em uma entrevista recente.
Uma semana depois, em Los Angeles, o telefone do ator de 30 anos tocou. Luhrmann estava ligando da Austrália.
“Eu olho para o telefone e penso: ‘OK, este é o momento'”, diz Butler. “Peguei o telefone e ele estava muito dramático e com um tom deprimido. Ele disse: 'Austin, eu só queria ser o primeiro a ligar para você e dizer... Você está pronto para voar, Sr. Presley?'”
Quando Elvis estrear nos cinemas, no Brasil está previsto para 14 de julho, ele ressuscitará uma das figuras mais icônicas da música americana no maior e mais deslumbrante filme que já tentou capturar o Rei do Rock 'n' Roll. E isso levará Butler, um nativo de Orange County, na Califórnia, mais conhecido até agora por interpretar Tex Watson em Era uma vez... em Hollywood, de Quentin Tarantino, para um palco muito maior.
“Tudo parece um sonho maravilhoso”, disse Butler na manhã seguinte à estreia do filme no Festival de Cannes. “Tenho de tirar alguns momentos para respirar fundo e dizer: 'Esta é a vida real'.”
O que é real e o que é falso na terra exagerada do tão imitado Elvis nem sempre foi fácil de discernir. Elvis, que Luhrmann corroteirizou, não é uma cinebiografia padrão de Elvis Presley, mas conta sua história através do infame empresário de Presley, o coronel Tom Parker (Tom Hanks), um ex-ladrador de carnaval que guiou Presley ao estrelato, mas explorou-o e manipulou-o até sua morte em 1977. Parker narra a história, acrescentando uma dimensão sobre a natureza do show business e da performance.
“Baz disse na primeira reunião: ‘Olha, esta é uma história sobre duas pessoas. Nunca teria existido um Elvis sem o Coronel Tom Parker e, na sua opinião, nunca teria existido um Coronel Tom Parker sem Elvis,” diz Hanks. "Assim que ele disse isso, pensei: 'Bem, isso vai ser um novo território e digno do estilo de cinema de Baz, maximalista e cheio de confetes'."
E, assim como O Grande Gatsby e Moulin Rouge, Elvis é de fato uma explosão extravagante e maximalista no estilo Baz. Como seria de esperar, passa por momentos cruciais da vida do cantor de Memphis, Mississippi, e por uma jukebox de músicas. Mas “Elvis” também oferece um retrato mais jovem e rebelde de Presley como um produto da música gospel negra, um símbolo sexual de delineador e um inconformista progressista cuja carreira controlada refletia batalhas culturais da época e de agora. Butler é um Elvis elétrico, não um ato de nostalgia exagerado, com mais Bowie do que você poderia esperar.
“Não estou aqui para dizer ao mundo que Elvis é uma grande pessoa. Vou lhe dizer o que ele é para mim”, diz Luhrmann. “Todo mundo tem seu Elvis.”
“Meu trabalho geralmente é pegar coisas que são consideradas chatas, antiquadas ou não relevantes, sacudir a poeira e recodificá-las”, diz Luhrmann, que fez o moderno Romeu + Julieta. “Não para alterá-las, apenas para retraduzi-las para que seu valor esteja novamente presente.”
O valor de Presley para o público contemporâneo, embora ainda além da maioria de seus contemporâneos, diminuiu um pouco. Para muitos, ele representa a apropriação da música negra. Algumas produções relativamente recentes - o musical da Broadway de 2005 All Shook Up, o show Viva Elvis do Cirque du Soleil em Las Vegas - não conseguiram se popularizar muito.
Tudo isso significava que Butler tinha muita coisa sobre seus ombros. Para ele, era essencial encontrar maneiras de tornar Presley mais humano do que sobre-humano. Uma conexão ressonante para o ator foi saber que a mãe de Presley morreu quando ele tinha 23 anos, a mesma idade que Butler tinha quando perdeu sua mãe. E como Presley, um artista inicialmente tímido, Butler também era tímido.
“Então eu poderia pensar: ‘Quando sinto medo e sinto que toda a pressão está em mim e estou com medo de quebrar a cara, ele também sentiu essas coisas'”, diz Butler. “Então eu pensava: ‘Tudo bem sentir medo. Depende de como você o canaliza.'”
Elvis é mais comovente em sua segunda metade, na seção Vegas do filme, quando Presley frequentemente alcançava altos níveis artísticos no palco durante sua temporada de 1969-1976 no International Hotel, mas ficou cada vez mais amarrado a Parker (que recusou uma turnê internacional de Presley) e ao uso de drogas. Priscilla Presley, que apoiou entusiasticamente o filme, é interpretada por Olivia DeJonge.
“Muitos dos personagens deste filme são maiores que a vida e autenticamente maiores que a vida”, diz DeJonge. “Com Priscilla, eu queria ter certeza de que ela ficasse enraizada e como se fosse a respiração de Elvis, para que sempre que ele estivesse com ela, estivesse relaxado.”
Antes de Elvis começar a ser filmado em Memphis, Hanks jantou com Priscilla Presley, que então descreveu seu ex-marido como “um artista tão único quanto Picasso e tão popular quanto Charlie Chaplin que realmente só se sentia verdadeiramente ele mesmo e em casa quando cantava.”
Embora um papel de vilão seja algo raro para Hanks - que testou positivo para o coronavírus durante as filmagens do filme na Austrália, um momento inesquecível do início da pandemia -, Elvis também é algo comum para o ator, pois lida com a história americana e existe como um drama autônomo. Elvis estará competindo principalmente com as franquias nos cinemas neste verão.
“O conceito de franquia agora faz parte do complexo industrial de entretenimento que, para mim, não é muito divertido”, diz Hanks. “Todo mundo sabe que eu venho fazendo isso há muito tempo, então eu acho que eles têm tanta certeza que vão conseguir tudo de mim que só depois vão decidir se valeu a pena ou não.”
As críticas têm sido bastante positivas para Elvis, mas têm sido brilhantes para Butler. (No filme, ele canta algumas músicas enquanto a voz de Presley é usada em outras.) O ator conta que dedicou dois anos de sua vida ao filme, pesquisando obsessivamente sobre Presley e gradualmente se transformando nele. Butler passou por ensaios diários imaginando-se como Presley. Quando o filme terminou, Butler teve que lutar para se desligar.
“De repente era eu escovando os dentes de novo, agora sou eu fazendo essas coisas mundanas. Foi uma verdadeira crise existencial quando terminei”, diz Butler. “Na manhã seguinte, acordei e não conseguia andar. Achei que meu apêndice havia estourado. Tive a dor mais terrível na região do estômago, então eles me levaram para o pronto-socorro. É incrível como seu corpo pode aguentar enquanto você está fazendo alguma coisa.”
A primeira grande cena que Butler filmou, no segundo dia de produção, foi Presley gravando seu importante especial de retorno. A cena colocou um Butler vestido de couro isolado no palco, com pouco em que confiar além de sua própria capacidade de emocionar uma multidão. O nervoso quase o dominou.
“Mas aquele terror de toda a minha carreira como se estivesse acontecendo neste filme, era exatamente o que Elvis estava sentindo”, diz Butler. “Sua carreira musical estava em jogo. Era tudo ou nada para ele. E eu poderia me basear nisso. Então eu fui lá e foi como ter uma experiência fora do corpo.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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