Mais de 80 anos separam a Detective Comics #27, primeiro quadrinho do Homem-Morcego, da estreia do filme Batman, a mais recente produção do herói protagonizada por Robert Pattinson, nesta quinta, 3, nos cinemas - diversas salas já terão pré-estreias nesta terça, 1.º. E o personagem não poderia ter mudado mais. Ao longo dessas oito décadas, o herói apresentou diversas facetas nas HQs, buscando encontrar uma identidade definitiva e, principalmente, se adequar ao que a sociedade estava querendo, pensando e consumindo.
A base do personagem, é claro, sempre segue um caminho bem similar: Bruce Wayne é um garoto órfão com sede de vingança. Mais do que se rebelar contra o algoz de seus pais, o rapaz quer se vingar daquela cidade que o brutaliza e o joga à margem. Quando fica adulto, e milionário, começa a encontrar possibilidades de se vingar por meio de embates travados contra figuras como o Coringa, Pinguim, Duas Caras, Senhor Frio, Charada e Ra’s al Ghul.
As leituras dessa história, porém, são bem distintas. “(Nos quadrinhos), começou como lenda urbana e vingador impiedoso, passando depois para um divertido cavaleiro mascarado e um detetive com rígido código moral. Mais adiante, sofreu por amor, lutou contra perdas de entes queridos e crises existenciais, se mostrou paizão de muitos e testou a sua eterna missão de todo jeito”, diz Sílvio Ribas, jornalista e autor do Dicionário do Morcego. “O curioso é que todas essas faces e fases são respeitadas e igualmente válidas.”
Os traços dos quadrinistas que davam vida para o Homem-Morcego nas páginas da DC Comics também se transformaram. Ao comparar com o Batman dos anos 1940 com revistas mais atuais, percebem-se traços mais rebuscados e uma busca constante por um tom cada vez mais sombrio. “O personagem teve a chance de amadurecer em suas histórias e em seus conceitos junto com a sua base de fãs”, comenta o quadrinista brasileiro Ivan Reis, conhecido por desenhar fases aclamadas das HQs de Aquaman e Lanterna Verde.
Sombras
O cinema e a televisão, enquanto isso, acompanharam a movimentação. A série do personagem, nos anos 1960, tinha um ar mais cômico e até detetivesco, com Adam West, Burt Ward e Cesar Romero fazendo tipos mais caricatos. Depois, Tim Burton assumiu os filmes do personagem, já perto dos anos 1990, com uma abordagem gótica. Ou seja: sombria, mas ainda um pouco bizarra, estranha e cômica. Quando Joel Schumacher assumiu a batuta, porém, tentou jogar mais humor na história. Foi um absoluto fiasco de público e crítica.
As sombras só chegaram com força em 2005, novamente acompanhando uma movimentação dos quadrinhos, quando Christopher Nolan deu uma visão pessimista na trilogia que dirigiu. Além das sombras, uma certa dose de violência chegou em Batman vs Superman, uma das visões mais brutais do personagem. Agora, com o manto nas costas de Robert Pattinson, a trama deve colocar esse sombrio no coração e na mente do herói.
Rebeca Cambaúva Leite, autora do livro Batman: O Bruce Wayne de Tim Burton e Christopher Nolan, acredita que dificilmente esse tom irá mudar. “Não acredito que seja uma fase. Vejo que a faceta sombria do Morcego veio para ficar. Esses movimentos de adaptação estão igualmente ligados à necessidade de adaptação do próprio personagem em atender as demandas de uma nova sociedade”, diz. “A cultura pop está em constante evolução. Afinal, só pode ser considerada ‘cultura’ a partir do momento em que ela acompanha os hábitos e tendências daquela sociedade. Batman, por sua vez, fez o mesmo movimento e se adaptou de acordo com as novas demandas históricas e sociais.” Além disso, pensando na recepção do público, o sucesso de filmes e séries sempre foi maior em produções mais sombrias. Batman: O Cavaleiro das Trevas, produção sempre lembrada pela presença premiada de Heath Ledger como o vilão Coringa, tem uma nota 9 no agregador e banco de dados IMDb.
“O Batman, assim como o universo em geral de histórias em quadrinhos, tende a retratar o período em que vivemos, as dúvidas e angústias de uma geração. Essa visão mais séria e sombria retrata muito bem um momento atual onde se militariza a estética e se busca um mundo de história mais realista. Batman já foi retratado como sombrio em outros filmes, porém com uma abordagem mais fantasiosa”, relembra o quadrinista Ivan Reis, em entrevista ao Estadão.
Além de Bruce
Além disso, para entender melhor essas transformações, vale a pena também analisar Gotham, a cidade do Homem-Morcego. Afinal, ela serve como uma base para que os roteiristas, seja nos quadrinhos ou nas telas, façam o desenvolvimento completo do herói. “Gotham é uma personagem poderosíssima. Para contemplar aquela nova atmosfera de sombra, morte e vingança acerca de Batman, seria necessário que o espectador compreenda aquela cidade adoecida, contaminada e gritando por socorro”, continua Rebeca. “A proposta ficou tão redonda que funcionou como um divisor de águas na história da personagem e de suas bases fundamentais.”
Curiosamente, apesar de tantas transformações e tantos traços adotados, Batman continua sendo um ícone para muitos e um dos personagens mais amados, adaptados e influenciáveis em toda a cultura pop. Por quê? André Azenha, jornalista e organizador do evento brasileiro Batman Day, arrisca. “Ele não tem superpoderes e mesmo assim decide lutar por justiça”, comenta Azenha. “Ele é milionário, e pouca gente poderia se identificar neste sentido, mas muita gente gostaria de ser milionária e poder imaginar o que poderia fazer com tanto dinheiro e por que não fazer justiça, tentar fazer o mundo melhor?”
Personagens do novo 'Batman', com Robert Pattinson:
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