THE NEW YORK TIMES - “Eu tenho que matar todos vocês”, o garoto de olhos arregalados e braços se contorcendo em meio a uma possessão demoníaca rosna para sua mãe (interpretada por Andra Day) no novo filme de terror de Lee Daniels, A Libertação.
Isso acontece depois de ele ter subido pelas paredes de um quarto de hospital como um Homem-Aranha insano e depois de quase ter sido afogado numa banheira por seu irmão mais velho, que também é alvo de um demônio.
O filme, que narra a saga de uma família atacada por forças obscuras ao se mudar para uma nova casa, afirma ter sido inspirado em fatos reais, mas essa subida pelas paredes e a possessão demoníaca são exageros de Hollywood, certo?
Ou será que não?
As ocorrências supostamente sobrenaturais, que foram relatadas pela jornalista Marisa Kwiatkowski em Os exorcismos de Latoya Ammons, reportagem de 2014 para o Indianapolis Star, aparecem da maneira que Ammons as descreveu em A Libertação, agora na Netflix.
Também aparecem na tela: enxames de moscas que, segundo ela, começaram a atormentar a família (ela, seus três filhos e sua mãe) quando eles se mudaram para uma casa alugada em Gary, Indiana, em 2011 (o filme muda a ação para Pittsburgh), e os exorcismos realizados por um clérigo, a quem Ammons credita o fim de seu tormento.
Aqui está o que você precisa saber sobre o que Ammons afirma ter acontecido com ela e sua família dentro da chamada Casa do Demônio em Gary entre 2011 e 2012.
O que aconteceu com Latoya Ammons e sua família?
Em novembro de 2011, Ammons se mudou para uma casa alugada em Gary com seus três filhos, de 7, 9 e 12 anos, e sua mãe, Rosa Campbell. (Campbell inspirou a avó rabugenta e renascida em Cristo de Glenn Close no filme, embora ela não seja branca na vida real).
Quase que imediatamente, as coisas ficaram estranhas.
Apesar das temperaturas gélidas, as moscas infestaram a varanda e voltaram mesmo depois de a família acreditar que as haviam matado. A família ouvia passos subindo as escadas do porão e o rangido da porta entre o porão e a cozinha se abrindo, mas não havia ninguém. Certa noite, Campbell acordou com o que ela descreveu como a sombra de um homem andando pela sala de estar. Ela viu pegadas de botas grandes e molhadas quando se levantou para investigar.
E, então, Ammons disse a Kwiatkowski no artigo do Star, ela encontrou sua filha de 12 anos levitando sobre a cama, inconsciente.
A partir daí, as coisas ficaram cada vez mais estranhas. Ammons disse que ela e as três crianças foram possuídas por demônios: os olhos dos filhos se arregalavam, disse ela, seus rostos se contorciam em feições malignas e suas vozes ficavam com um tom sobrenatural.
Certo dia, o menino de 7 anos agarrou o pescoço do irmão mais velho e só soltou quando os adultos intervieram, informou o Star.
Leia também
Eles sentiam os efeitos mesmo quando estavam fora de casa, e os dois meninos foram hospitalizados depois de falarem com vozes “demoníacas” e desmaiarem na presença do médico da família - momento em que, de acordo com Ammons e Campbell, o menino de 9 anos subiu de costas por uma parede até o teto, na presença de um gerente de casos familiares do Departamento de Serviços Infantis de Indiana (DCS, na sigla em inglês) e de uma enfermeira (que corroborou esse relato, informou o Star).
No dia seguinte, o DCS tomou a medida emergencial de assumir a custódia das três crianças, mesmo sem ordem judicial.
Havia realmente demônios na casa?
Os profissionais de saúde que examinaram Ammons e seus filhos não conseguiram encontrar uma explicação médica para o comportamento deles enquanto supostamente possuídos, e um psiquiatra do hospital avaliou Ammons e determinou que ela estava “mentalmente sã”.
O médico da família escreveu nas anotações sobre o exame dos meninos que havia “alucinações” e “delírios de fantasmas em casa”, mas o relato de Ammons foi convincente o bastante para convencer um padre de Merrillville, o reverendo Michael Maginot, a investigar.
Qual era a sensação da possessão demoníaca?
De acordo com Ammons, ela se sentia fraca, quente e tonta quando estava possuída, e seu corpo tremia. Ela disse a Kwiatkowski que se sentia “fora de controle”.
O que acontece durante o exorcismo?
Os exorcismos sancionados pela Igreja, que são realizados apenas por padres ordenados ou membros de alto escalão do clero na Igreja Católica, têm o objetivo de expulsar o demônio da pessoa que ficou sob seu poder, de acordo com a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos.
Segundo a organização, o Vaticano obriga cada diocese a ter um padre especialmente capacitado para diagnosticar possessão demoníaca e fazer exorcismos. No entanto, esses exorcismos são muito raros: Maginot disse ao Star que Dale Melczek, então bispo da Diocese de Gary, “nunca tinha autorizado um exorcismo em 21 anos” na função antes de dar permissão para Maginot fazer um exorcismo em Ammons.
De acordo com a Conferência, o exorcista deve primeiro fazer um exame médico para descartar qualquer possibilidade de doença mental. Em seguida, deve receber a aprovação de um bispo para realizar o exorcismo.
O ritual em si, que pode durar várias horas, consiste em orações, apelos e exortações para expulsar demônios. Pode ser realizado apenas uma ou várias vezes, como foi o caso de Ammons (Maginot acabou realizando três exorcismos em Ammons, dois em inglês e um em latim).
Os exorcismos foram bem-sucedidos?
Não se sabe ao certo. Os problemas da família persistiram após os dois primeiros exorcismos. Mas, depois do terceiro, que Maginot realizou em latim, os eventos cessaram.
Mas havia um outro fator: Ammons e sua mãe tinham se mudado recentemente para Indianápolis. (Ammons não estava conseguindo pagar o aluguel da casa em Gary e usou as alegadas atividades paranormais para evitar pagamentos, disse o proprietário do imóvel ao Star). Elas voltaram a Gary para as audiências no tribunal, nas quais Ammons tentou recuperar a guarda dos filhos.
Onde está Latoya Ammons agora?
Latoya recuperou a guarda dos filhos em novembro de 2012, cerca de seis meses depois de o DCS os ter levado. Eles agora vivem “sem medo”, disse ela ao Star em 2014.
O que aconteceu com a casa?
Depois que o artigo do Star foi publicado, o investigador paranormal Zak Bagans comprou a casa por US$ 35.000 em 2014 e filmou um documentário sobre os eventos ali ocorridos, chamado Demon House, antes de demolir a casa em 2016.
Mas é claro que as escavadeiras não podem acabar com as histórias, e a casa, que antes ficava na Carolina St. 3860, continua viva no Google Street View do Google Maps. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.