Opinião | ‘A Verdadeira Dor’, sobre os netos do Holocausto, mostra como o luto é um ato de sobrevivência

Jesse Eisenberg escreveu, dirigiu e atuou no filme que estreia nesta quinta-feira, 30, nos cinemas brasileiros, e que recebeu duas indicações ao Oscar

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Por Manohla Dargis (The New York Times)

Os filmes americanos sobre o luto tendem a terminar com fungadas e sorrisos forçados que asseguram ao público que, independentemente dos horrores que vieram antes – por mais brutal que seja a tragédia, por mais severo que seja o tormento –, tudo vai ficar bem. É uma besteira, mas é assim que acontece em Hollywood, mesmo nos filmes independentes. Por mais distintos que sejam os temas, a escala e o escopo, eles insistem em secar as lágrimas que bombearam. A busca da felicidade era um direito inalienável para os pais fundadores, um direito que nossos filmes transformaram em um artigo de fé enlouquecedoramente duradouro.

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Jesse Eisenberg corre direto para a teimosa desordem da vida em A Verdadeira Dor, uma exploração afinada, melancólica e às vezes surpreendentemente engraçada da perda e do pertencimento que ele escreveu e dirigiu. Eisenberg interpreta David, um cara inquieto e aparentemente comum que, junto com um primo bem complicado, Benji (Kieran Culkin), parte em viagem pela Polônia. A avó deles sobreviveu ao Holocausto por causa de “mil milagres”, como diz David, e eles decidiram visitar a casa onde ela cresceu. É uma jornada inesperadamente carregada de emoções e um lamento tragicômico e penetrante sobre a diáspora judaica.

(O filme recebeu duas indicações ao Oscar 2025 - de melhor roteiro original e de melhor ator coadjuvante, para Culkin; veja aqui a lista completa)

Jesse Eisenberg (à direita) corre direto para a teimosa desordem da vida em 'A Verdadeira Dor', que ele escreveu, atuou e dirigiu Foto: Divulgação/Searchlight Pictures

A jornada começa e termina nos Estados Unidos, mas a maior parte se desenrola durante a viagem pela Polônia, que eles fazem com um guia turístico britânico, James (Will Sharpe), e cinco outros viajantes. O grupo passeia por Varsóvia, atravessa campos pastoris, vislumbra recantos pitorescos e faz uma visita relativamente breve e emocionante ao campo de concentração de Majdanek, a poucos quilômetros da cidade medieval de Lublin.

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Eisenberg não se aprofunda na história do campo (também conhecido como Lublin), mas este se tornou um centro de extermínio e foi fundamental em um plano nazista para assassinar a população judaica da Polônia ocupada pelos alemães, em 1941. Estima-se que 1,7 milhão de judeus poloneses foram mortos somente durante essa operação.

Trata-se de uma história profunda para qualquer filme, sobretudo um filme tão modesto e cheio de risadas como A Verdadeira Dor. Mas Eisenberg se mostra hábil ao lidar com esse peso, em parte porque é simplesmente um fato para seus personagens. O Holocausto não precisa ser resumido para David, Benji e o restante do grupo de turistas: eles estão na Polônia especificamente porque, de um jeito ou de outro, o Holocausto esteve com eles durante toda a vida. É história, mas, para David e Benji é, fundamentalmente, uma história inseparável da realidade de sua avó, da mulher e da mãe que ela se tornou e da família que ela construiu. É, como o filme sugere sutilmente, um legado geracional angustiado.

Eisenberg nos leva direto para dentro da história com uma explosão de cortes e a visão de um David agitado, no carro a caminho do aeroporto de Nova York, mandando uma mensagem ansiosa atrás da outra para Benji. Eisenberg é ótimo interpretando personagens elétricos, que parecem tão tensos que você se pergunta quando eles vão surtar.

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Assim como ele, seus personagens tendem a falar rápido – a enunciação entrecortada de Eisenberg faz com que suas palavras geralmente soem mais agitadas do que fluidas – e David não é exceção. Ele ainda está deixando mensagens quando entra correndo no terminal, onde um Benji todo sorridente o espera. Eles se abraçam, Benji quase se joga em David e, quando se acomodam no avião, parece que você já os conhece.

Essa sensação de que são pessoas de quem você gosta e talvez até conheça é crucial para o filme e para a forma como ele usa a intimidade para fortalecer seu realismo. A Verdadeira Dor é um amálgama de subgêneros agradáveis e acessíveis, como um buddy movie meio estranho, um road movie de tomada de consciência e um melodrama familiar carregado.

Essas formas de história aumentam a sensação geral de familiaridade, assim como o foco em David e Benji, que surgem mais por meio das complexidades de seu relacionamento do que por suas peculiaridades individuais. Eisenberg diz que somos o que somos por causa das pessoas nas nossas vidas, um truísmo que fica mais evidente e impactante à medida que seus personagens viajam por um país assombrado por fantasmas judeus.

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Diretor Jesse Eisenberg no set de 'A Verdadeira Dor'. Foto: Divulgação/Searchlight Pictures

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Com o tempo, Benji e David se afastam do grupo, e o foco do filme se concentra nos dois, inquietos e em busca de algo. Culkin é um ator de sensibilidade emocional que não se rebaixa para conquistar o amor do público – e aqui ele está incrivelmente ótimo. Culkin articula o tumulto interno de Benji – ele está com dor, ele é uma dor – por meio de uma atuação transparente e legível, às vezes visceralmente desestabilizadora.

Durante todo o tempo, Benji oscila entre uma calma enervante (como se tivesse rastejado para dentro de si mesmo) e uma exuberância frenética que atrai as pessoas para ele, quando não as domina. Quando Benji diz a David que “ninguém quer ficar sozinho”, não se trata de uma frase descartável. É um apelo apaixonado que se refere tanto a esses personagens – ao passado que compartilham, à avó que sobreviveu e aos milhões que não sobreviveram – quanto a um mundo fraturado.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Opinião por Manohla Dargis

Crítica de cinema do 'New York Times'.

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