A volta das comédias românticas: Gênero cresce com streaming, mais diversidade e público fiel

Especialistas explicam como longas se reinventaram após perda de público e bilheteria; fãs comentam porque são cativados pelas histórias de amor

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Foto do author Julia Queiroz
Atualização:

Dois personagens se conhecem de maneira aleatória, se apaixonam, mas não podem ficar juntos. Um deles já é comprometido, ou, talvez, more em outra cidade. Pode ser até que eles se odeiem antes de perceberem que se amam. Mas não importa o conflito: o final é sempre feliz.

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Essa é a fórmula básica de uma comédia romântica. Ou, como explica a pesquisadora e mestre em Cinema Ana Camila Esteves, são as convenções do gênero: “Há uma série de elementos na narrativa que criam essa tensão para que esse casal não possa ficar junto e que fazem com que a gente torça por eles”.

Para um bom fã, não faltam exemplos “clássicos”: Uma linda mulher, Um lugar chamado Notting Hill, O casamento do meu melhor amigo - todos protagonizados por Julia Roberts, que foi considerada a musa das comédias românticas dos anos 1990.

Julia Roberts, a musa das comédias românticas dos anos 1990, em cena de 'Uma Linda Mulher' (1990). Foto: Touchstone Pictures/Divulgação

Mesmo assim, o gênero chegou a ser considerado “morto” por veículos internacionais como The Washington Post, The Hollywood Reporter e NPR entre 2013 e 2016. Os motivos incluíam a queda nas bilheterias, a baixa qualidade dos longas e o questionamento de problemáticas carregadas pelo gênero.

Alguns anos depois, no entanto, é fácil abrir um serviço de streaming e encontrar dezenas de comédias românticas novas e originais à disposição. Os jornais exageraram, como alguns chegaram a admitir? O gênero se reinventou? Ou será que ele nunca deixou de ser popular?

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Neste texto, você vai entender:

  • A queda das comédias românticas de estúdio
  • Por que o streaming impulsionou o retorno do gênero
  • O que faz com que o público continue fiel aos filmes
  • Como o gênero voltou mais diverso e inclusivo

A queda

A comédia romântica é um gênero que, assim como muitos outros, passou por algumas mudanças ao longo do tempo. Se fossemos explorar como elas surgiram teríamos que voltar para filmes como Luzes da Cidade, de 1931, ou até longas icônicos de Audrey Hepburn, como Sabrina (1954) e Bonequinha de Luxo (1961).

Harry e Sally - Feitos Um para o Outro, de 1989, pode ser considerado um dos precursores do gênero como o conhecemos hoje. Os filmes de Julia Roberts vieram depois, seguidos de longas como Como perder um homem em 10 dias e 10 coisas que eu odeio em você.

Para Ana Camila, o gênero costuma seguir as mesmas convenções, mas pode ser mais maleável do que pensamos. Entre 2000 e 2010, já vemos comédias românticas que “começam a pender mais para o drama”, como diz a especialista.

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“Como se as pessoas quisessem levar a comédia romântica para um lugar mais ‘sério’, com histórias mais profundas, mais robustas”. É o caso de Separados pelo Casamento (2006), com Jennifer Aniston, ou Terapia do Amor (2005), com Uma Thurman.

Em 'Separados pelo Casamento', Jennifer Aniston e Vince Vaughan vivem casal que começa a passar por problemas após decidir se casar.  Foto: Universal Studios/Divulgação

Até esse período, o gênero seguia em alta. Um levantamento da agência de notícias Reuters mostrou que, nas décadas de 1990 e 2000, as comédias românticas ficaram de fora da lista das 20 maiores bilheterias dos Estados Unidos em apenas três anos (1994, 1996 e 2001).

Foi aí que a “queda” começou. De 2010 a 2022, somente uma comédia romântica ficou entre os filmes mais lucrativos do ano: Asiáticos Podres de Ricos, em 2018. Os cinemas foram tomados pelas grandes franquias, de Marvel e DC a Star Wars e Velozes e Furiosos.

Ainda segundo a pesquisa da Reuters, 2015 marcou o ano com o menor número de comédias produzidas desde 1980 - com exceção de 2020, quando os sets de filmagens foram interrompidos pela pandemia de covid-19. Muitos acreditavam que era o fim de uma era.

O retorno

A resposta para o renascimento das comédias românticas nos anos recentes pode ser encontrada no crescimento das empresas de streaming e, principalmente, na quantidade de produções originais sendo realizadas por elas.

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“Por conta da forma como os streamings trabalham, eles precisam produzir conteúdos massivos”, explica Ana Camila. Para ela, as comédias românticas fazem parte de uma gama de gêneros que, do ponto de vista comercial, são pensados para um grande público.

“Com a força do streaming, [elas] têm um papel importante na construção do algoritmo que vai orientar o consumo das pessoas que assinam essas plataformas. São filmes muito leves, gostosos. A leveza do gênero é uma aposta que os streamings fazem para conseguir atrair mais assinantes”, diz.

A roteirista e diretora Alice Name-Bontempo, um dos nomes por trás de Modo Avião, comédia romântica nacional estrelada por Larissa Manoela e disponível na Netflix, cita o filme Para Todos os Garotos que Já Amei (2018), como um dos responsáveis por essa nova onda no streaming.

'Para Todos os Garotos que Já Amei' lançou as carreiras de Lana Condor e Noah Centineo. Foto: Netflix/Divulgação

Depois dele, vieram longas como O Plano Imperfeito (2018), Meu Eterno Talvez (2019), Amor com Data Marcada (2020), Um Match Surpresa (2021) e, mais recentemente, Na Sua Casa ou na Minha? (2023), estrelado por Ashton Kutcher e Reese Witherspoon. Isso só na Netflix. No Prime Video, são exemplos O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas (2021) e Um Presente da Tiffany (2022).

Alice argumenta que esses são filmes cuja experiência não é diminuída quando o espectador está em casa: “Não estou defendendo a não ida ao cinema, mas é um gênero que faz muito sentido em casa, enquanto, em outros, a experiência do cinema, mais imersiva e coletiva, é realmente muito importante”.

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Ela lembra que as comédias românticas são filmes que podemos assistir “com um grupo de amigas, comendo brigadeiro, sozinha em casa depois de um dia ruim”. “É muito associado a um gênero conforto”, comenta.

Na Sua Casa ou na Minha?, com Ashton Kutcher e Reese Witherspoon, é uma das comédias românticas recentes lançadas pela Netflix.  Foto: Netflix / Divulgação

Isso não quer dizer que ele sumiu das salas de cinema. Com o sucesso nos streamings, algumas apostam também chegaram às telonas recentemente, como é o caso de Case Comigo (2022), com Jennifer Lopez, ou Amor(es) Verdadeiro(s) (2023). Mas a predominância segue nas plataformas digitais.

Isso se reflete na indústria nacional, segundo Alice. “Quando a gente pensa nas grandes ou médias bilheterias brasileiras, é a comédia propriamente dita que domina de longe”, diz. No streaming, no entanto, existe uma produção crescente de comédias românticas.

Além de Modo Avião, ela cita Esposa de Aluguel (2022), que chegou a ficar entre os filmes de língua não inglesa mais assistidos da Netflix. São exemplos também Ricos de Amor (2020) e sua sequência lançada em 2023.

'Esposa de Aluguel', da Netflix, é protagonizada por Thati Lopes, Caio Castro e Patricya Travassos. Foto: Alisson Louback/Netflix/Divulgação

No mês de junho, o Prime Video lançou a franquia Um Ano Inesquecível, com quatro comédias românticas nacionais. Em 2022, a HBO Max divulgou o longa Procura-se, estrelado pelo casal Camila Queiroz e Klebber Toledo.

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Por que assistir?

“Acho importante o lugar desses filmes como esse respiro. Essa coisa de ‘vou assistir esse filme que é leve, que é tranquilo’. Que não é uma comédia ‘besteirol’, mas tem a chave de comédia e, ao mesmo tempo, que tem uma história de amor”, diz Ana Camila Esteves.

Esse é o motivo pelo qual a jornalista freelancer Gabriela Margato, 30 anos, assiste a comédias românticas “sempre que possível”. “Hoje em dia, assisto nos streamings mesmo porque é mais fácil. Mesmo que saia no cinema, muito pouco tempo depois já tem na internet também”, diz.

As histórias de amor “impossíveis” ou “mirabolantes” são as que mais cativam a jovem nesses longas. “E fugir um pouco da realidade, porque a gente sabe que na vida real é bem diferente”, completa.

O sentimento é parecido para a estudante de Rádio, TV e Internet Giullia Cartaxo, de 22 anos. “Eu consumo comédias românticas toda semana, sou uma pessoa que assiste o mesmo filme muitas vezes e tento procurar mais filmes do mesmo gênero pra assistir”, conta.

As comédias românticas são leves e otimistas, me fazem dar uma ‘fuga’ da vida cotidiana. Elas também trazem uma forma de relaxamento e alívio do estresse e são reconfortantes. Assistir esses filmes me traz esperança.

Giulia Cartaxo, 22

A estudante destaca os filmes Um Pacto de Amizade (2023), do Disney+, e Para Todos os Garotos que Já Amei (2018) como os longas mais recentes do gênero de que mais gosta. Por outro lado, ela afirma que os filmes antigos tinham roteiros melhores do que os atuais.

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“Muitos dos filmes de hoje não tem pé nem cabeça, os roteiros são fracos e acabam sendo filmes clichês e cópias dos filmes antigos”, diz. A preferência pelos longas dos anos 1990 e 2000 é compartilhada pela assistente de produção cultural Giovanna Endrigo, 23.

“A maioria das que eu assisto e reassisto foram apresentadas pela minha mãe quando eu tinha uns 13 anos. Acho que assistir as clássicas para relaxar também vem desse lugar nostálgico de ‘tempos mais simples’”, explica.

“O que mais me cativa é que tendem a ser filmes bem leves e com mensagens mais ou menos positivas sobre ‘viver feliz para sempre’. Não entra em um lugar de idealizar um final feliz romântico clichê, sou muito pé no chão nesse sentido, mas da possibilidade de fantasiar com isso dentro da ficção”, completa.

Se os filmes mais recentes são criticados pelos roteiros repetitivos, eles também recebem elogios por discutirem temas mais atuais e/ou não incluírem problemáticas que as comédias românticas de 20 anos atrás continham.

“Em algumas comédias românticas antigas víamos muito machismo. Amigos que faziam apostas para ver quem vai ‘pegar’ a menina. Hoje em dia, é bem mais difícil de esse tipo de coisa aparecer nos filmes”, comenta Gabriela.

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Mais diversidade

A atualização das temáticas desses filmes é justamente uma das maneiras com que eles se reinventam para o streaming e para um público que, agora, demanda ser visto naquilo que consome.

Para a Ana Camila, não há como definir um público específico para as comédias românticas. É um tipo de filme que pode conquistar pessoas de diferentes gêneros, idades, raças e classes sociais. Mas raramente todas as pessoas conseguiam se enxergar nelas.

Com a “nova onda” das comédias românticas, elas voltaram mais diversas, inclusivas e representativas. Para Todos os Garotos que Já Amei (2018), citado anteriormente, já foi um reflexo disso trazendo uma protagonista asiática em sua história.

Foi também em 2018 que Asiáticos Podres de Ricos conseguiu furar a bolha das grandes bilheterias e que Com Amor, Simon chegou aos cinemas. A história sobre um jovem secretamente gay que se apaixona por um colega de classe anônimo pela internet foi um dos primeiros filmes do gênero com protagonistas LGBT+.

“Acho que tem um investimento maior agora em relação a isso, inclusive, porque interessa à Netflix, por exemplo, construir produtos para audiências mais diversas. Isso também acaba se tornando uma estratégia comercial dentro da indústria”, afirma Ana Camila.

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Alex Strangelove (2018), da Netflix, Crush: Amor Colorido (2022), disponível no Star+, Alguém Avisa? (2020), disponível no Prime Video, são exemplos de filmes sobre casais do mesmo sexo.

Em agosto, o serviço da Amazon vai lançar Vermelho, Branco e Sangue Azul, um romance entre o filho da presidente dos Estados Unidos e o príncipe da Inglaterra.

Ana Camila destaca Um Crime para Dois (2020), também da Netflix, como um dos filmes que contemplam personagens negros e discussões sobre questões raciais nos Estados Unidos sem perder a fórmula das comédias comédias.

'Um Crime para Dois' é protagonizado por Issa Rae e Kumail Nanjiana. Foto: Skip Bolen/Netflix/Divulgação

“Esses elementos são inseridos na narrativa de forma que isso se torna uma crítica ou um argumento que se quer construir ali sem perder a natureza das convenções daquele gênero. É como se essas comédias românticas ficassem mais robustas, mais sofisticadas, mas ainda assim, respeitando as convenções do gênero”, explica.

Alice Name-Bontempo completa que, além dessas mudanças virem de uma demanda do mercado e como “consequência de uma pressão de pautas sociais”, elas também são afetadas pela maneira como as pessoas se relacionam.

As mulheres, que eram a esmagadora maioria das protagonistas desses longas, já não são representadas da mesma forma. Os filmes agora tendem a discutir sobre papéis de gênero, a não monogamia, os aplicativos de relacionamento e todas as formas pelas quais as novas gerações se relacionam.

“Considerando que é um gênero que fala sobre questões internas dos personagens e como a gente se relaciona com o amor, ele afeta e é afetado por questões sociais. Hoje, no público jovem, você tem uma outra demanda e visão de mundo sobre as relações”, diz Alice.

“A gente está vendo como que os gêneros se desdobram e se reinventam diante de perspectivas e discussões mais contemporâneas”, aponta Ana Camila. “É mais uma forma de se abrir uma janela para públicos que talvez não se identificassem com essas narrativas românticas padronizadas demais.”

Para a pesquisadora, isso é sinal positivo para o futuro do gênero: “Quando pensamos no consumo de produções audiovisuais de modo geral, a comédia romântica é provavelmente o gênero que vai ficar. Não vejo ele morrendo, vejo ele se reciclando e se desdobrando em outras perspectivas do ponto de vista da narrativa”.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

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