Opinião | Agora musical, ‘A Cor Púrpura’ supera filme de Spielberg em alguns aspectos, mas erra o tom

Filme de Blitz Bazawule, destaque entre as estreias da semana, surpreende com atuações e reconta uma história sobre violência doméstica e preconceito que continua vigorosa; leia crítica

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Foto do author Matheus Mans

É interessante notar como A Cor Púrpura, livro de Alice Walker publicado em 1982, continua a dialogar com a sociedade – não apenas norte-americana, berço e cenário da obra de Walker, mas com o resto do mundo.

Afinal, esta sua história fala sobre preconceito, violência doméstica, sororidade. Temas que estão em voga. Por isso, não é surpreendente que ganhe uma nova versão nos cinemas, 41 anos após a publicação do livro e 39 anos depois da primeira adaptação nas telonas por Steven Spielberg.

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No entanto, não espere encontrar um novo A Cor Púrpura, em exibição em grande circuito desde quinta-feira, 8, como se fosse apenas um copia e cola do que Spielberg fez lá atrás. Não é nada disso. Dirigido pelo cineasta ganense Blitz Bazawule, o novo longa-metragem é uma adaptação não diretamente do livro de Walker, mas do musical que fez sucesso na Broadway lá pelos primeiros anos da década de 2000. Uma nova proposta.

A história, porém, continua a mesma: Celie (Fantasia Barrino) é uma mulher maltratada pela vida. Foi abusada pelo pai, que a separou de seus dois filhos, e depois foi entregue para ser a esposa de Mister (Colman Domingo), um homem violento e que a enxerga apenas como empregada doméstica. Sua vida, porém, ganha novos contornos e significados com a chegada de outros personagens, como Sofia (Danielle Brooks) e Shug (Taraji P. Henson).

Difícil não sentir, logo de cara, um estranhamento no tom do filme. É uma história bastante pesada, que fala sobre solidão, violência doméstica e abuso, mas que aqui é pontuada por músicas que não necessariamente conversam com a história.

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Por exemplo: há uma cena em que a jovem Nettie (Halle Bailey), irmã de Celie, fala que o pai tentou abusar dela e, por isso, fugiu de casa. Um minuto depois, há uma cena bastante dançante, com uma música para cima, com a personagem de Bailey (de A Pequena Sereia) falando para se divertirem.

Obviamente, a jovem não precisa ficar cabisbaixa o tempo todo – ela, afinal, está de olho em uma nova vida após esse acontecimento. Só que isso prejudica bastante o ritmo do filme e, principalmente, a emoção que sentimos na história. Há uma perda de conexão.

Fantasia Barrino e Taraji P. Henson em cena do filme de 'A Cor Púrpura'. Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

A Cor Púrpura: o elenco é a alma do filme

No entanto, por mais que esse problema de ritmo preocupe no começo, A Cor Púrpura, aos poucos, vai se recuperando. Não exatamente por essa falta de tom, que persiste em vários momentos até o final do filme, mas principalmente pelo elenco que faz um trabalho impressionante – e aqui, neste ponto, é difícil não fazer comparações com o elenco original. Fantasia Barrino, por exemplo, é uma revelação: a jovem atriz, que venceu a versão americana do programa Ídolos, tem uma voz marcante e sabe colocar drama na história.

Sua personagem é a alma e a essência de A Cor Púrpura, nesta nova versão, misturando esses dois mundos que não se encaixam em um primeiro momento, mas que emocionam cada um à sua maneira. Apesar da corrida acirrada, ela merecia uma vaga no Oscar 2024. Não dá para dizer que é melhor do que Whoopi Goldberg, mas chega bem perto.

Atuação de Fantasia Barrino é a alma de nova versão de 'A Cor Púrpura'. Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

E não é só Fantasia que se sai bem. Todo o elenco de apoio está absolutamente extraordinário: Colman Domingo, indicado ao Oscar por Rustin, faz um Mister ainda mais odiável, com camadas de profundidade em sua personalidade que não vemos no filme de 1985.

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Danielle Brooks, que conquistou a única indicação ao Oscar do filme, é a Sofia perfeita, misturando toda a explosão da personagem com seu final triste e melancólico. Se sai melhor do que Oprah Winfrey que, naquele 1985, ainda estava iniciando sua carreira.

Acima de tudo, uma grande história

Nessa mistura de sensações, com cenas fora de tom e um elenco que transpira talento, fica a sensação de que A Cor Púrpura é daqueles filmes que não se encontram. Mas não é isso. Afinal, o longa, que também é produzido por Spielberg e Oprah, continua emocionando simplesmente por conta de sua história.

Como já dito, a jornada de Celie atravessa tempos e gerações e se faz necessária ser discutida ainda hoje. O texto de Walker se comporta como outros clássicos da literatura dos Estados Unidos, como A Letra Escarlate e As Vinhas da Ira, e, mesmo com marcas do tempo em seus personagens, continua dialogando com o agora.

Danielle Brooks, indicada ao Oscar, e Fantasia Barrino em cena de 'A Cor Púrpura'. Foto: Warner Bros. Pictures/Divulgação

Por mais que Bazawule não seja Spielberg, há perícia aqui em contar a história desses personagens que sofrem com males que afetam a vida das pessoas até hoje. Não importa, no final das contas, a sensação de que o filme não sabe misturar músicas e drama tão bem.

O público acaba arrebatado pela emoção, seja pela identificação, pela força da história ou pelo trabalho dos atores, e A Cor Púrpura consegue reproduzir o mesmo sentimento do filme de 1985: a sensação de que estamos vendo uma grande história sendo contada.

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Opinião por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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