Éric Rohmer dizia que Alain Resnais era um cubista, “o primeiro cineasta moderno do cinema sonoro”. O autor de Hiroshima Meu Amor, O Ano Passado em Marienbad e outros clássicos nasceu há cem anos, dia 3 de junho de 1922 em Vannes, na Bretanha. A data é lembrada pela Cinemateca Brasileira que, em parceria com a Embaixada da França no Brasil e o Institut Français, realiza uma mostra em sua homenagem.
Rohmer, que antes de ser cineasta e um dos grandes da nouvelle vague, fora crítico de cinema e ensaísta, fazia essa afirmação sobre Resnais já em 1959, quando este lançava Hiroshima Meu Amor, filme que o celebrizou e para muitos é sua obra-prima. A aproximação com o cubismo não é arbitrária. Nessa dialética entre história e memória, com roteiro de Marguerite Duras, Resnais restabelece perspectivas diferentes entre tempo e lugar, jogando com a Hiroshima nipônica do Holocausto nuclear e a Nevers francesa da Ocupação durante a Segunda Guerra. A síntese - se possível for falar em síntese neste caso - se dá na união dos amantes vividos por Emmanuelle Riva e Eiji Okada.
O Ano Passado em Marienbad é possivelmente, a mais densa reflexão do cinema sobre a questão do tempo, com roteiro do escritor (e cineasta) Alain Robbe-Grillet. "En passant": Resnais gostava de trabalhar com roteiros alheios, partir de um texto escrito por outra pessoa, que estimulasse sua fértil imaginação cinematográfica. Marienbad, filmado em um castelo bávaro, no preto-e-branco onírico de Sacha Vierny, contém diálogos quase saídos diretos do inconsciente. Como este, dos personagens indicados apenas por Ele e Ela (da mesma maneira que em Hiroshima). Ele (Giorgio Albertazzi): “Espero por você há tanto tempo…”. Ela (Delphine Seyrig): “Em seus sonhos?”
Noite e Neblina é exemplo da faceta documental de Resnais debruçando-se, mais uma vez, sobre o horror da Segunda Guerra. Em Hiroshima, era a bomba atômica jogada sobre a população civil por ordem de Truman. Em Noite e Neblina, os campos de extermínio, a matança industrializada sob ordens da racionalidade da morte nazista.
Também no intrincado Muriel - Tempo de um Retorno, Resnais (com roteiro anti dramatúrgico de Jean Cayrol), esgarça a “trama” entre memória, inconsciente e história. Hélène (Delphine Seyrig) é uma antiquária que, depois de anos de ausência, decide rever o homem amado, Alphonse. Na busca, reencontra seu enteado, Bernard, egresso da Guerra na Argélia e atormentado pela lembrança de Muriel, jovem militante argelina, torturada pelas tropas coloniais francesas. A montagem fragmentada faz com que a trama pareça rarefeita e flutue entre tempos diversos.
Stavisky é uma obra biográfica sobre Serge Stavisky, milionário fraudulento cuja morte misteriosa, em 1934, desencadeia uma crise na França. O roteiro é de Jorge Semprún, e o protagonista é vivido por ninguém menos que Jean-Paul Belmondo. A música de Stephen Sondheim, só para ver o nível da gente com quem Resnais trabalhava.
Meu Tio da América é considerado um filme de tese, no qual Resnais aplica os conceitos do psicólogo experimental Henri Laborit na construção e comportamento de seus personagens.
Mais instigante é Smoking, No Smoking, obra dupla, baseada na peça do britânico Alan Ayckbourn. Entra na composição a questão do destino e do acaso. Como uma decisão pode alterar toda a vida posterior de uma pessoa? Resnais parte de casos mínimos. Num dos filmes, o personagem acende um cigarro e começa a fumar; em outro, ele não aceita o cigarro. O desenvolvimento das tramas, nas duas alternativas, é completamente diferente.
Resta dizer que a mostra apresenta também o vasto trabalho de Resnais com curtas e médias-metragens, entre os quais se destacam obras sobre arte e artistas como Guernica, Van Gogh e Paul Gauguin. Ou médias-metragens como As Estátuas Também Morrem e Toda a Memória do Mundo.
Alguns filmes serão exibidos em 35mm, outros em digital. No sábado, às 16h, haverá uma palestra do professor da ECA Cristian Borges sobre o cineasta.
A mostra na Cinemateca é uma oportunidade de reaproximação a uma das obras fundamentais do cinema contemporâneo. Cineasta imenso, Resnais deve ser contado entre os verdadeiramente grandes de sua arte, com uma obra que perdura e é motivo de interpretações renovadas - e sempre parciais, pois ambígua e aberta a leituras contratantes. Obra que, além do mais, apresenta altíssimo nível em sua elaboração artística, qualidade não muito popular entre os que se julgam de vanguarda.
Para o teórico Christian Metz, Alain Resnais e Jean-Luc Godard representam os dois grandes pólos da modernidade cinematográfica. Na verdade, as duas obras devem ser estudadas em conjunto, uma oposta à outra, na maneira como trataram e subverteram o realismo no cinema.
Programação da Mostra 100 anos de Alain Resnais
Quinta-feira, 02 de junho
- 20:00 - Hiroshima, Meu Amor (92 min, 35mm)
Sexta-feira, 03 de junho
- 19:00 - As Estátuas Também Morrem (30 min, 35mm)
- Toda a Memória do Mundo (22 min, digital)
- 20:00 - Mélo (112 min, digital)
Sábado, 04 de junho
- 16:00 - Palestra com o Professor da ECA | USP - Dr Cristian Borges
- 18:00 - O Ano Passado em Marienbad (94 min, 35mm)
- 20:00 - Smoking (149 min, 35mm)
Domingo, 05 de junho
- 18:00 - No Smoking (149 min, 35mm)
- 21:00 - Guernica (13 min, 35mm)
- Van Gogh (20 min, digital)
- Paul Gauguin (14 min, digital)
- O Canto do Estireno (19min, digital)
- Quinta-feira, 09 de junho
- 20:00 - Guernica (13 min, 35mm)
- Van Gogh (20 min, digital)
- Paul Gauguin (14 min, digital)
- O Canto do Estireno (19min, digital)
Sexta-feira, 10 de junho
- 19:00 - Muriel (112 min, 35mm)
- 21:00 - Stavisky... (120 min, 35mm)
Sábado, 11 de junho
- 18:00 - Amores Parisienses (120 min, 35mm)
- 20:30 - Meu Tio da América (125 min, 35mm)
Domingo, 12 de junho
- 18:00 - Noite e Neblina (32 min, 35mm)
- Hiroshima, Meu Amor (92 min, 35mm)
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