Almodóvar explica por que voz ‘feminina’ de Caetano Veloso é perfeita para ‘Estranha Forma de Vida’

Filme mostra Ethan Hawke e Pedro Pascal no papel de xerife e pistoleiro apaixonados. Ele volta a usar voz de Caetano na trilha, que ajuda a embalar história de ‘homens que vivem escondidos atrás de seus próprios desejos’, diz diretor ao ‘Estadão’

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Por Mariane Morisawa
Atualização:

Como cinéfilo, Pedro Almodóvar queria fazer um western. “É um gênero que, além de ser americano, é absolutamente masculino. Há dezenas de obras-primas, mas para mim há uma zona inexplorada, que é o desejo entre dois homens, sendo um gênero cheio de masculinidades”, disse o cineasta espanhol em entrevista com a participação do Estadão. “Eu não estava inventando nada, mas podia falar de um aspecto dos personagens que até agora não vi em nenhum faroeste.”

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Foi assim que nasceu o curta-metragem Estranha Forma de Vida, que chega aos cinemas nesta quinta, 14. No filme, o xerife Jake (Ethan Hawke) e o pistoleiro Silva (Pedro Pascal) se reencontram 25 anos depois de um tórrido caso.

O único western que tem amor entre homens é O Segredo de Brokeback Mountain. Mas o cineasta faz uma distinção: no filme de Ang Lee, os personagens interpretados por Heath Ledger e Jake Gyllenhaal são pastores. “Não são caubóis diretamente, pistoleiros. Então peguei um tema pouco tratado para trata-lo à minha maneira, sobre dois antigos caubóis que estão na meia-idade e se reencontram, recordando uma aventura 25 anos. E vemos como eles reagem diante de sua própria sexualidade e os interesses que cada um tem nesse momento, que são muito distantes de quando são muito jovens.”

Cena de 'Estranha Forma de Vida', novo curta de Almodóvar, com Ethan Hawke (E.) e Pedro Pascal Foto: EFE/El Deseo

Almodóvar, que no começo de sua carreira filmava cenas de sexo explícitas, agora aborda o desejo de outra maneira. “Em vez de desnudar os corpos, preferi desnudar o olhar e as palavras dos atores para conseguir o mesmo efeito”, disse. “As palavras desnudas são tão eróticas e sensuais como os corpos desnudos. Para mim parecia mais interessante, dramaticamente, ver a reação dos dois personagens dessa noite de sexo e álcool.”

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O diretor acha que nunca um faroeste teve uma frase como: “Estranho destino, o nosso. Sua cunhada teve de morrer para que nos encontremos juntos na mesma cama”. “Para mim era mais importante esses textos do que mostrar os corpos dos atores.”

Pedro Pascal (E.) e Ethan Hawke em cena do curta 'Estranha Forma de Vida', de Almodóvar Foto: Sony Pictures

Jake tem dificuldades de lidar com o reencontro, que tem uma motivação outra – o xerife está atrás do filho de Silva, que por sua vez quer protegê-lo. “Se Jake pudesse, ele diria não, não fizemos nada, se conseguisse negar, negaria. Sua atitude é muito masculina em relação ao desejo homossexual que aconteceria quando se perde o controle. Mas isso não é certo, ocorre porque o desejo está dentro de você.”

Do fado à tela

O título, aliás, veio de um fado de Amalia Rodríguez, mas o diretor preferiu usar uma versão de Caetano Veloso, seu antigo amigo e parceiro (ouça abaixo). “É muito bonito e estabelece a melancolia da história que vou contar”, disse.

“Caetano Veloso pode cantar uma canção inteira em falsete, de maneira natural. Tem uma voz privilegiada. Ele canta esta canção e falsete, e quando ele canta assim sua voz é mais feminina. É um homem, porém sua voz tem ressonâncias muito femininas. E essa confusão que há no falsete me caía bem para a história porque, para mim, a estranha forma de vida é desses homens que vivem escondidos atrás de seus próprios desejos.”

Pedro Almodóvar

Estranha Forma de Vida é o segundo curta-metragem de Almodóvar em três anos – em 2020, ele fez A Voz Humana, com Tilda Swinton. “É um dos caprichos que me permiti, porque me sinto mais ligeiro nesse formato”, disse.

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Ele tem vontade de fazer um terceiro curta, uma espécie de trilogia sobre velhos amantes. Ainda assim, ele chegou a escrever uma continuação para Estranha Forma de Vida, mas não sabe se vai adiante com o projeto.

Liberdade para criar

Ele tem dois roteiros prontos, um em espanhol e outro em inglês. “Sou muito trabalhador, mas a vida me surpreenderá. Espero que me surpreenda para bem”, disse. “Quando escrevo sou a pessoa mais livre do mundo. Essa liberdade não tenho tanto quando vivo. Na minha vida, penso muito mais nas coisas e não sou tão arrojado, não sou tão valente como quando eu escrevo. Quando eu escrevo a história é que manda, e às vezes preciso escrever coisas que me arranham por dentro, mas se o roteiro pede, eu vou em frente.”

Ele confessa que fala muito de si mesmo de maneira indireta em todos os seus filmes. “Não é que tudo seja autobiográfico, mas eu vivi quase todas as épocas que aparecem em meus filmes.” Sua maior preocupação é fazer mal às pessoas que o rodeiam. “Porque de alguma maneira há elementos inspirados nelas. Não quero ferir essas pessoas, mas também na hora de escrever necessito dessa liberdade.”

Veja o trailer de Estranha Forma de Vida

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