Voz nipo-brasileira se faz ouvir em Cannes com ‘Amarela’ na disputa pela Palma de Ouro; veja trailer

O ‘Estadão’ publica em primeira mão o trailer do curta que compete no Festival de Cannes. Em entrevista, o cineasta André Hayato Saito e a atriz Melissa Uehara falam sobre o projeto e importância da representação de pessoas amarelas

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Foto do author Gabriela Caputo

Em 12 de julho de 1998, o Brasil joga contra a França na final da Copa do Mundo, na expectativa de conquistar mais um título. Erika Oguihara, uma adolescente nipo-brasileira que rejeita as tradições de sua família japonesa, torce pela seleção brasileira em um cenário de ansiedade. Durante o jogo, ela sofre com uma violência que parece invisível e mergulha em uma experiência de sentimentos dolorosos.

O enredo é de Amarela, curta-metragem do diretor nipo-brasileiro André Hayato Saito, que foi selecionado para a competição de curtas da 77ª edição do Festival de Cannes, concorrendo à Palma de Ouro na categoria. O filme será exibido no evento francês na próxima sexta-feira, 24. O Estadão divulga em primeira mão o trailer oficial do curta (confira abaixo ou no canal do Estadão no YouTube) e traz conversa exclusiva com Saito e a atriz Melissa Uehara.

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“É muito emocionante ser um dos poucos representantes do cinema brasileiro em um festival tão importante quanto Cannes. No caso do nosso filme, que teve majoritariamente equipe e elenco amarelos, é muito especial e simbólica a oportunidade de sermos reconhecidos como brasileiros”, fala Saito ao Estadão.

O diretor ressalta o valor dessa representatividade para a comunidade asiática brasileira e para outras comunidades diaspóricas que vivem no País: “É muito comum que a gente se sinta desautorizado ou sem espaço para se afirmar brasileiro e se sentir pertencente. Este reconhecimento pode nos tocar em níveis muito profundos”, acrescenta.

'Amarela', curta-metragem de André Hayato Saito, concorre à Palma de Ouro no 77º Festival de Cannes. Foto: Divulgação/MyMamma Entertainment

Para a atriz Melissa Uehara, que vive a protagonista Erika, o curta lembra da necessidade de se falar sobre o preconceito com as pessoas amarelas. “Muitas vezes parece invisível e inexistente, mas marca vidas. Espero que o filme faça muitas pessoas se sentirem acolhidas, assim como eu”, diz.

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O curta foi selecionado entre 4.420 obras inscritas na competição e disputa a Palma de Ouro de Curta-Metragem com outras dez produções. É o único representante da América Latina na categoria. O prêmio será entregue pelo júri no sábado, 25 de maio, durante a cerimônia de encerramento do evento.

As expectativas para a mostra de curtas estão altíssimas, diz Saito. “Teremos filmes de países que a gente não tem tanto acesso e não estamos acostumados a acompanhar, como Azerbaijão, Lituânia, Kosovo, Croácia. É uma amplitude e diversidade de horizontes muito enriquecedora”.

Motel Destino, de Karim Aïnouz, é outro filme brasileiro na seleção oficial de Cannes, concorrendo à Palma de Ouro - mas na categoria de melhor longa-metragem. Outros títulos estão sendo exibidos em mostras paralelas do festival.

Cena de 'Amarela', curta-metragem de André Hayato Saito, concorre à Palma de Ouro no 77º Festival de Cannes. Foto: Divulgação/MyMama Entertainment

Amarela é parte de trilogia e será expandido em longa-metragem

Produzido por uma equipe majoritariamente brasileira com ascendência asiática, Amarela faz parte de uma trilogia de Saito com a produtora MyMama Entertainment. Por meio dos filmes, ele investiga sua ancestralidade com um olhar íntimo. O primeiro deles foi Kokoro to Kokoro - De Coração a Coração (2022), sobre o laço entre sua avó paterna e uma antiga melhor amiga do Japão – e foi eleito o melhor documentário de curta-metragem no Roma Short Film Festival, além de ter ganhado Menção Honrosa no Tokyo International Short Film Festival.

Depois veio Vento Dourado (2023), curta centrado em sua avó materna, no qual o cineasta faz um ensaio sobre a morte e explora a relação entre gerações. O filme integra o Sheffield DocFest, principal festival de não-ficção do Reino Unido, que ocorre em junho.

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Amarela concluí a série. “Tenho colocado muito de mim nessa trilogia e descoberto como pode ser acolhedor investigar e valorizar as minhas origens por tanto tempo negadas. Quando a gente se conecta à raiz, fica mais claro onde nos situamos agora e quais narrativas queremos contar para as próximas gerações”, reflete Saito. “A diretora Tizuka Yamasaki um dia me falou que os segredos da alma são universais. Nesse mergulho para dentro, sinto que a minha tentativa era de expressar isso por meio de uma ferramenta de transformação tão poderosa como o cinema”, completa ele.

O diretor André Hayato Saito. Foto: Divulgação/MyMama Entertainment

Saito destaca outra descoberta dessa jornada: o quão poderoso é se sentir representado não somente na tela como pela equipe. “Deu para perceber no dia a dia, ao longo do processo de construção, que cada olhar ali somava muito para contar as dores, traumas e belezas de uma comunidade. Elevou muito o filme contarmos juntos as nossas histórias, e não termos elas contadas por pessoas brancas, algo muito comum no cinema”, afirma.

O diretor está atualmente trabalhando em seu primeiro longa-metragem, Crisântemo Amarelo. Síntese da trilogia, o filme será ambientado no mesmo universo de Amarela, com a mesma protagonista. “Nós falamos sobre identidade, sentimento de não pertencimento, luto e ciclos da vida e da morte. Agora, a partir da questão existencial do entre-lugar identitário, vamos tratar sobre o racismo, machismo e xenofobia que permeia as duas culturas”, adianta Saito.

'Amarela' é a terceira parte da trilogia de André Hayato Saito, que investiga sua ancestralidade japonesa. Foto: Divulgação/MyMamma Entertainment

O filme irá aprofundar a jornada de autodescoberta de Erika. Por habitar uma fronteira invisível entre duas culturas e sentir dor de não pertencer, ela vive uma incansável busca pela sua própria identidade.

“Desde o momento em que li o roteiro de Amarela pela primeira vez, me apaixonei pela Erika. Tanto por compartilhar da mesma história com ela, como por poder vivenciar o modo que as emoções, os sentimentos e as dores dela são mostradas, de um jeito que a torna complexa e cheia de personalidade”, analisa Melissa. “Acho que a Erika conseguiu me representar de um jeito que nenhum outro personagem já fez. E por conta disso, sei que sempre vai existir uma parte dela em mim.”

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Nos próximos seis meses, a Saito e Mayra Faour Auad, produtora e sócia da MyMama Entertainment, participam do Torino Feature Lab, laboratório de desenvolvimento de projetos cinematográficos, para o estágio final do desenvolvimento de roteiro. A previsão é começar a captação de recursos no fim do ano e dar início às gravações no segundo semestre de 2025.

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