Já houve Papais Noeis - no plural - que representaram a própria negação do espírito natalino nos filmes. Quem viu O Parceiro do Silêncio, de Daryl Duke, de 1978, não se esquece do alucinado Christopher Plummer que utiliza o disfarce para assaltar o banco em que Elliot Gould é caixa. Quando Elliot resolve também se beneficiar - roubando um pouquinho -, Plummer inicia a caçada. E o Billy Bob Thornton de Papai Noel às Avessas, de Terry Zwigoff, de 2010? Bêbado, ele rouba lojas com a assistência do parceiro de baixa estatura que se disfarça como... elfo!
Tudo isso é passado, porque agora chegou David Harbour, o astro da série Stranger Things, como o Papai Noel de Noite Infeliz, em cartaz no cinema. Nunca houve um Papai Noel como esse na história do cinema. De cara, não se trata de um disfarce.
Cansaço
Na primeira cena, Harbour já está enchendo a cara num boteco. Tergiversa sobre o cansaço que a função lhe ocasiona. Critica as crianças e seus pais, todo mundo mais ligado em consumo do que em valores. Papai Noel despede-se, mas em vez de sair pela porta toma a escada que o leva para o terraço. A funcionária vai atrás aos gritos de “Não é por aí”. Chega a tempo de vê-lo embarcar no trenó puxado por renas. Hein? O cara é Papai Noel de verdade? Santa Claus? Pode até ser, mas é podre. Vomita em cima da pobre funcionária.
Corte para a família disfuncional. Pais separados se reúnem para levar a filha à festa de Natal da vovó milionária - Beverly D’Angelo é quem faz o papel. Vovó é uma tirana, não tem paciência com os filhos, os netos. A neta, Trudy, descobre uma linha direta com Papai Noel. Pede-lhe de presente o que talvez seja impossível, a reconciliação dos pais.
Na ficção do diretor norueguês Tommy Wirkola, quando Papai Noel chega à casa dos Lightstone - e é abandonado pelas renas -, descobre que o lugar foi invadido por uma quadrilha. John Leguizamo e seu bando selvagem vieram para se apropriar da fortuna - US$ 35 milhões, em cash - que vovó guarda em seu cofre pessoal. No original, Noite Infeliz chama-se Violent Night. Põe violência nisso. Leguizamo e seu bando são piores do que gremlins naquele outro Natal. Destroem tudo. Matam, mutilam. O que ninguém conta é com o Papai Noel de David Harbour. Seu Santa Claus é atormentado por visões, flashes do próprio passado.
Imbatível
Há mais de mil anos, ele foi um guerreiro nórdico, e dos mais violentos. Como Thor, usava o machado. Atendendo ao pedido de socorro da Trudy menina, Papai Noel mata um, mata dois, mas os caras são muitos e quando ele está quase perdendo a batalha descobre ali, naquele cantinho, um martelo. Agora imbatível, sai arrebentando membros, cabeças.
A trama é permeada de surpresas que é melhor não antecipar - sem spoiler - para não tirar a graça. São muitas sacadas, e o melhor é a forma incorreta que Wirkola adota para, no limite, celebrar o verdadeiro espírito natalino.
É preciso um rastro selvagem de violência e de sangue para que, no final, Trudy e seus pais, a avó... Chega! Um pouco como Esqueceram de Mim - e Trudy copia algumas das armadilhas de Kevin na série famosa -, a violência de Noite Infeliz é cômica. “Feche os olhinhos, querida!”, Papai Noel pede, e rebenta cabeças. É absurdo, é de morrer de rir. Chama-se catarse.
CRÍTICA: BOM
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.