Análise: Henry Cavill foi o pior Superman do cinema, mas isso não é culpa dele

Se seu personagem não tivesse ficado marcado por tantas cenas toscas e distantes da essência do herói, talvez pudesse ser reaproveitado

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Foto do author Pedro Cirne
Atualização:

O presidente do estúdio da DC, James Gunn, anunciou na quarta-feira, 14, que o próximo filme do Superman não vai contar com o ator britânico Henry Cavill, que viveu o personagem quatro vezes no cinema.

Bom ator, carismático em tela e simpático fora dela, Cavill foi o pior Superman do cinema, mas isso não é culpa dele.

Recapitulando sobre o personagem: Superman foi criado em 1938 por Jerry Siegel e Jose Shuster, filhos de imigrantes judeus que moravam nos Estados Unidos, em maio ao clima de ascensão do nazismo e Segunda Guerra Mundial.

Henry Cavill na pré-estreia européia de 'Batman V Superman' Foto: Luke MacGregor / REUTERS

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As histórias originais do personagens eram inocentes e divertidas - especialmente com o triângulo amoroso que tinha Clark Kent apaixonado por Lois Lane, que só tinha olhos por Superman, em esquema que se repetiu à exaustão nos quadrinhos de super-heróis.

O Superman original não era tão “super” assim: não voava, não disparava raios pelos olhos ou congelava coisas com seu sopro. Mas os poderes cresceram à medida em que sua popularidade aumentava, chegando a um ponto em que ele podia tirar planetas de sua órbita.

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E a popularidade do Superman extrapolou os quadrinhos, onde fez um sucesso absurdo (que resultado em dezenas de heróis iguaizinhos a ele). O último filho de Krypton migrou para rádio, TV, teatro (teve até musical!) e cinema. Havia, sempre, pequenas diferenças quanto ao uniforme ou ao nível dos poderes, mas a essência foi sempre a mesma.

Não importa o meio, o Superman sempre foi um modelo de herói, alguém que os fãs jamais poderão ser, mas podem tomar como exemplo. Ele é ético, honesto, não mente, não mata. Foi assim com Bud Collyer (que o interpretou no rádio), Kirk Alyn e George Reeves (ambos no cinema) e Bob Holiday (no teatro), até chegar Christopher Reeve e estrelar o sucesso cinematográfico que teve três continuações e um spin-off (Supergirl).

O ator no filme "Superman" de 1978 Foto: REUTERS

Christopher Reeve criou um personagem bem-humorado, inocente, meio bobalhão, mas puro de coração e com uma ótima carga dramática quando necessário, como na morte de Lois Lane no primeiro filme (mais de quatro décadas depois, espero que não seja spoiler). Era difícil chegar a este nível de excelência.

Em 2006, Brandon Routh foi um sucessor simpático de Christopher Reeve nos cinemas, reverberando seus trejeitos, mas não fez sucesso. E aí foi a vez de Henry Cavill, que estreou no papel em 2013, dirigido por Zack Snyder.

Vale um contexto aqui. Quando Snyder dirigiu Superman - O Homem de Aço, a principal concorrente da DC nos quadrinhos já esteva bem estabelecida na sétima arte: o Universo Cinematográfico Marvel havia se estabelecido como um fenômeno pop, com aventuras divertidas e, ao mesmo tempo, dramáticas. Homem de Ferro, Capitão América e Thor fizeram tanto sucesso que abriram caminho para adaptações de personagens completamente desconhecidos como Manta & Adaga (quem?) e Hellstrom (hã?).

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Com Superman - O Homem de Aço, Snyder agradou a chefia da DC, que o colocou como a mente por trás do universo da DC no cinema. E este foi o grande problema para Henry Cavill.

Superman que mata

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Voltando ao início deste texto: Cavill é um bom ator e teria tudo para ser um Superman à altura do Reeves, mas teve de interpretar um personagem extremamente distante do herói dos quadrinhos. Se, na HQ, o último filho de Krypton prefere morrer a matar alguém (vilão ou não), o Superman de Cavill/Snyder não tem esses pudores. Ele mata. E deixa morrer. E não está nem aí.

Em uma cena icônica de Superman - O Homem de Aço, Clark Kent deixa o próprio pai morrer para que ninguém descubra que tinha poderes. Matar, aliás, nem é o único momento. Há vários momentos em que o Superman de Cavill mostra acreditar ser melhor do que os humanos - isso é dito a ele explicitamente por sua mãe, Martha, e sua namorada, Lois Lane. E ele mostra na prática, com seu enorme descuidado com vidas alheias, o quanto acredita nisto.

É este o Superman sonhado por Siegel e Shuster? Não, claro que não. Mas era a visão que Snyder tinha para os super-heróis da DC: sombrios, antiéticos, violentos.

Repare no tom dos filmes de Snyder: os dois personagens que surgiram neles e ganharam filmes solos são ótimos para exemplificar o que aconteceu. A Mulher-Maravilha que surgiu em Superman x Batman era uma guerreira dura e que sentia prazer na batalha; a que estrelou os dois filmes solos, ainda que vivida pela mesma atriz (Gal Gadot), se tornou uma heroína leve, divertida, humana e cheia de compaixão.

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O mesmo vale para o Aquaman de Jason Momoa. Em Liga da Justiça, é um bruto mal-humorado e grosseirão. No filme solo de James Wan, é alguém mais divertido. É como se a tônica determinada por Snyder para os filmes da DC exigesse personagens sombrios e amorais, sem nenhum senso de humor (o primeiro Esquadrão Suicida) se encaixa aí, mas, como o projeto não deu certo, a DC foi ao pouco liberando seus personagens para longas mais leves.

O universo cinematográfico idealizado por Snyder tanto não deu certo que a DC está recomeçando do zero, agora sob o olha de James Gunn. O diretor fez ótimo trabalho com heróis desconhecidos, como Guardiões da Galáxia, Esquadrão Suicida e Pacificador -a ver se consegue repetir o desempenho com os medalhões da DC.

Cavill apenas não deu sorte no momento em que interpretou o kryptoniano. Se seu personagem não tivesse ficado marcado por tantas cenas toscas (como o famigerado “Momento Martha”, de Superman x Batman) e distantes da essência do herói (como os criminosos que mata inclementemente no início do mesmo filme), talvez pudesse ser reaproveitado. Mas não será possível.

Restará ao talentoso Cavill encontrar outros projetos - torço para que sejam melhores. E para nós, fãs do personagem (como o próprio Cavill, aliás), aguardar que em sua próxima adaptação para cinema, as inevitáveis diferenças não resultem em um personagem completamente desfigurado. O Superman não mata nem se acha melhor que os humanos. Na dúvida, consulte Reino do Amanhã (de Mark Waid e Alex Ross), Superman - O Homem de Aço (de John Byrne) ou qualquer filme com o Christopher Reeve, entre tantas outras boas opções.

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