Um Filho é um drama familiar no novo filme de Florian Zeller que estreia nesta quinta, 23, nos cinemas. Peter (Hugh Jackman) refaz a vida a com nova parceira, Beth (Vanessa Kirby), com a qual tem um filho pequeno. O cotidiano do casal é abalado quando o filho do primeiro casamento de Peter, o adolescente Nicholas (Zen McGrath), bate à porta dizendo que não consegue mais viver com a mãe, Kate (Laura Dern) e pretende morar com o pai.
Tal sinopse pode dar ideia de um banal drama de família, mas o filme vai além disso. Há, a pesar, densidade da vida contemporânea, com Jackman interpretando o grande executivo que, imerso em compromissos, não tem tempo para nada, muito menos para administrar conflitos alheios - mesmo que digam respeito a seu filho mais velho.
O adolescente Nicholas se diz vítima de uma estranha angústia, que nem ele mesmo sabe de onde vem. Um mal-estar no mundo, generalizado e indefinido, que bem pode ser a marca registrada das gerações mais jovens. Nicholas encarna esse desconforto existencial de forma paroxística. E pede ajuda.
Nada me parece banal ou gratuito no filme. Tentamos entender Nicholas que, por sua vez, não compreende a si mesmo. É um enigma que, não decifrado, pode devorá-lo.
Por sorte, Zeller não cai no clichê de culpar os pais de forma automática, embora haja esse componente que atribui à vida moderna ultra competitiva a desumanização das pessoas, que pode levar (e em geral leva) a consequências psíquicas destruidoras. No entanto, Pete se esforça em ser um bom pai, assim como a mãe do garoto e a madrasta.
Ninguém é vilão ou vilã nessa tragédia familiar. Todos são vítimas, mas, claro, cada qual é atingido pela disfunção à sua maneira. E apenas um deles a sofrerá em suas últimas consequências.
Peter, o executivo, tem o contraexemplo do que significa a paternidade em seu próprio pai, gélido em termos de relações humanas, interpretado (de forma brilhante, mas isso é redundância) por Anthony Hopkins. A pequena aparição de Hopkins, de apenas alguns minutos, vale por toda uma aula de atuação em alto nível.
A forma narrativa é límpida. Sem apelações. Emociona porque tem que emocionar, mas nunca de modo apelativo. Às vezes força a atenção do espectador ao mesclar realidade e fantasia, fato e desejo. Mas é justo. Somos feitos dessa argamassa ambígua, o mesmo material de que são feitos os sonhos, como um gênio já descreveu a nossa condição. Um belo e duro filme.
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